No apartamento 204, no oitavo andar, da Avenida Borges de Medeiros, Helena vive com seus três gatos em confortáveis trinta metros quadrados. Uma mulher de cabelos longos e dourados, apegada aos seus próprios encantos, gosta de viver em segredo. Volta e meia, Helena debruça-se sob a janela de seu apartamento e fica a observar atentamente os transeuntes, pergunta-se o porquê da vida alheia parecer sempre tão mais atrativa do que a sua. Em seu interior, acha mesmo que todos se sentem um pouco assim, e por isso o devaneio não lhe causa nenhum descontentamento.
Toda manhã, Helena sai para comprar pão de queijo novinho na padaria do seu bairro, os atendentes já lhe conhecem e isso lhe confere certa sensação de acolhimento e familiaridade. Essa curiosa mulher, nada solitária (apenas de vez em quando), aceita de bom grado a gentileza com que os acontecimentos ocorrem em sua vida.
Quase sempre, veste-se com cores brandas, em vários tons de azul. As cores lhe remetem o que mais ama na vida, o mar, o céu e a casa em que cresceu na infância. Helena tem uma profissão, família e amigos. A profissão leva com o perfeccionismo e a ironia de um felino, ama a família e os amigos com placidez.
Vive em segredo porque está sempre a olhar para um lado e para o outro, como quem planeja uma fuga ou um casamento com o grande amor.
O comentário entre os que vivem à sua volta, é que nunca se sabe…
Nunca se sabe o que essa curiosa mulher deseja, embora pareça absolutamente satisfeita com a vida que leva. Sorri com a graça de uma fina e esbelta borboleta, e amacia seus três gatos como quem se delicia com a vida.
Helena tem muitas paixões, entre elas, Daniel. Um homem de caráter admirável, se é que isso confere um elogio. Daniel é apaixonado, e nossa Helena é um mistério. Os dois passeiam aos finais de semana, dividem os pães de queijo novinhos da padaria, e também bebem café e chá. Vinho e cerveja. Partilham coisas que terceiros não compreendem, são um do outro e todos sabem disso.
Em seus dias, tão secretos e guardados naqueles trinta metros quadrados, Helena dedica alguns poemas ao seu devoto e amado Daniel. Embora nunca os recite para ele, apenas para os seus três gatos com quem brinda suas noites de solitude. Aos finais de semana, os dois saem de azul para passear no parque, não porque combinam de o fazer, mas porque ambos estão plenamente envoltos nessa vida secreta e singular que ocorre dentro do apartamento 204, ainda que não saibam disso…