Passei a aula inteira embasbacada, o assunto me interessava, e sempre sou participativa. Mas, depois que você tão timidamente começou a falar lá no fundo da sala, alguma coisa na minha cabeça se transformou. Em mim se originou uma espécie de abalo sísmico, fiquei extremamente abalada com tuas palavras.
Palavras tão calculadamente pensadas, numa entonação quase que perfeita, num questionamento tão inteligente. Não ousei te olhar, eu não queria acabar com aquele anonimato tão prazeroso, e me era tão doce te admirar como um autor que usa de heterônimos. Era tu, personagem meu, vestido de Fernando Pessoa e seus milhões de “eus” espalhados por aí.
Imaginei com cuidado teus traços, mas nenhum deles combinava com as tuas colocações tão ousadas sobre o tema discutido, e também sobre a vida. O cotidiano que ali estava sendo apresentado, a vida e a política que é simplesmente existir. Terias tu olhos castanhos? Azuis ou verde-água? Serias tu ser de luz ou sombras? Terias tu curiosidade ou apenas vaidade no ato de perguntar tão avidamente? Para impressionar, talvez?
Não ousei virar para trás, não queria acabar com tudo e se virasse… que faria com tantas expectativas criadas? O desconhecido não decepciona nunca. Eu era tua melhor criadora. Entretanto, a medida que seguias com teu monólogo, aqui e ali, passei a te achar também um tremendo chato. Era coisa demais! De repente, mudei de ideia, assim como quem troca e roupa.
O que querias tu com tantas alegações de mundo, de vida, de conteúdo? Me vi com raiva de toda aquela pompa, e nessa ânsia, não olhar para trás agora tornara-se um ato de auto-preservação. Não queria mandar-te fazer silêncio. Eu que te adorara em segredo há tão pouco tempo atrás…
No final da aula, esperei que todos saíssem, fixando o olhar no quadro branco, como quem reza para uma divindade ou coisa parecida. Quando percebi que estava sozinha, virei para trás e nesse ato de coragem, fui rapidamente em direção à porta. Aliviada, pois não te conheci de verdade para saber se eras um mestre ou um chato. Nesse meu julgamento bipolar, me deixei levar pelo anonimato conveniente que tu trouxeste, e contigo levaste embora. Não te conheci.