Caminhei a Mauá inteira, do início ao fim. Estava bem frio e meus cabelos voavam, como as folhas de uma árvore em um dia de outono, revoltas. Percorri esse caminho até o estágio, observei cada detalhe e pensei bastante. Pensei bastante.
Talvez agora não consiga transcrever tudo o que me passou, e no final da caminhada, quando cheguei, não estava tão cansada fisicamente mas sim, mentalmente. A verdade é que não foi a caminhada que me cansou. Quando cheguei, uma torrente de tantas coisas desabou sob os meus ombros. E eu absorvi. Com destreza, com sobriedade.
Almocei pensando, pensando. Rindo. De quê? Minha mãe disse que era engraçado que eu tivesse feito todo esse caminho. Eu também achei graça. Mas de quê?
Durante o trajeto dentro do ônibus, percebi o sol entrando pela janela, tirei os óculos para deixar a luz tocar meu rosto. Sorri algumas vezes sozinha. Olhei para o céu. Confiante. Confiando em quê?
Quando chegou perto da redenção, pensei comigo mesma, decidi resistir ao impulso de não descer naquele lugar conhecido, só porque era conhecido. Decidi ir adiante, para conhecer o caminho, para ver onde ia dar. E se eu me perdesse? E se?
Decidi confiar. Em quem? Em quê?
Em mim? Talvez.
Então quando desci na rodoviária, sabia que estava longe demais. Longe demais. Sabia que teria que caminhar com minhas próprias pernas até o meu destino, precisava ir. Por minha conta e risco. Descobri o caminho, eu sabia o caminho. Sabia o trajeto que o ônibus fazia. E então fui. Não parei nem um só segundo. Pensando em tudo. Desde o início da manhã, repassando os movimentos. Meus movimentos, meus passos.Só meus.
Quando acordo, quando vou tomar café, sempre tento ajeitar as coisas o máximo possível. Sempre tento me organizar, hoje percebi isso. Esse meu esforço e a tentativa de fazer com que tudo dê certo, ainda que atrasada, faço tudo isso. O meu melhor.
Estou feliz, e cansada sim, muitas vezes é como me sinto. Será que essa alegação destoa de tudo que escrevi até aqui? Será que posso me sentir feliz agora? Com tudo isso que tem me passado?
Minhas experiências diárias tem sido quase que espirituais, tenho mergulhado em tudo o que faço. Em tudo. Nada passa despercebido. Não tenho me sentido fora do ar, ainda que cansada, muitas vezes. Mas estou atenta ao meu caminho, e às pessoas que estão nele e que passam por ela. Estou atenta, presente. Quero estar assim, mas sei que disso, surgem implicações tão vívidas e tão árduas também. À flor da pele mas consciente.
Estar vivo, presente, é um ato de coragem. Estar disposto a correr todos os riscos, perder-se, esforçar-se. Nada disso pode ser sentido se não se está ali de corpo e alma. E eu estou. Estou aqui e agora. Ontem estava e hoje também.
E a escrita também tem disso, ela ajuda a gente a sentir o momento, ainda que ele seja travesso, vagaroso.
Tenho sentido o frio, o calor dos beijos, os doces encontros e a saudade das despedidas.Toda a excitação do presente. Tenho viajado por todas as coisas que me competem, e são muitas, mas tenho me colocado para todas. No meu máximo. E talvez sim, talvez seja demais. E talvez em dias como esses, tudo fique mais perceptível e quase que doloroso. Mas o modo como cheguei aqui, aquela caminhada, relativamente longa…Me fez pensar que cheguei.
Cheguei aqui. Mais um dia. Mais algumas horas do meu dia. Mais um dia de vida. Por que tenho me sentido assim? No topo.
Enxergando de modo privilegiado, entretanto, com o frio cortando minha pele. Com o vento transpassando minha roupa, sozinha. No topo dessa colina. Sozinha. Depois de percorrer um caminho, para depois descer a colina novamente e seguir. Seguir mais uma vez. Confiando um pouco mais, sentindo-me cansada sim, e lisonjeada. Estou em transe. São muitas coisas. São muitas coisas.