Ana D`Avila | O homem irritado

Todas as crianças, pela graça da infância, são alegres. Risadas infantis são gravadas, enaltecidas e retratadas. Mas o homem irritado já nasceu sisudo. Aos cinco anos, quase sozinho, aprendeu a ler. Foi soletrando o título do Jornal da cidade:  E a partir dos jornais e dos livros, seu mundo se expandiu.

Apenas a irritabilidade permaneceu.

Aos 18 anos, já com um bom conhecimento literário, pensou em se mudar para Paris, terra da cultura, dos movimentos literários. Na França, um primo o aguardaria, mas a flecha do amor foi implacável com ele, e tal plano não aconteceu. Apaixonou e casou. Inexperiente, sem dinheiro e muito irritado, teve que iniciar sua vida amorosa e profissional. Assim, meio a contragosto.

Almejava a medicina, acabou jornalista. Por incentivo de outro primo, que era proprietário de um jornal brasileiro. Este, o incentivou por carreira na comunicação. Viveu os anos dourados do jornalismo, onde escrever era um ato de rebeldia. As redações eram quase artesanais, os jornalistas, sonhadores, boêmios e loucos.

Conheceu todos os infortúnios da vida. Histórias de gente que sofria e também das ricas e poderosas. Conheceu gente famosa. Da música, das artes, do cinema. E fez, ainda, carreira na Editoria de Polícia. Sensibilidade e irritabilidade eram suas marcas pessoais.

Não aguentando a pressão da redação numa área tão dura, acabou encontrando conforto no alcoolismo. Bebia diariamente. Neste espaço, escreveu matérias de toda ordem. Contou casos de assassinatos, de traições e de toda maldade humana. Ia assim, parecido com o escritor americano Bukowski, se tornando cada dia mais dependente do álcool. E também mais irritado com a estupidez da vida e seus infortúnios.

Aos 42 anos de vida, seu casamento desmoronou. Num ato enlouquecido, resolveu deixar o jornalismo e partir para as artes plásticas. No plantão da noite, com um lápis crayon preto e um caderno de desenho à mão, rabiscava amadoristicamente seus desenhos. A temática era sempre a mesma: arquitetura antiga.

A lembrança de um antigo casarão na cidade de Triunfo talvez fosse a causa desta paixão pela retratação de casas antigas. O casarão pertenceu ao seu Bisavô Floriano Ribeiro Barreto. Que era sobrinho de Luiz Ribeiro Barreto, Ministro da Guerra da República dos Farrapos.

Luiz Ribeiro Barreto, fundou ainda, o Teatro de Triunfo. O homem irritado passava todas as férias de verão neste casarão. Assim, ininterruptamente do primeiro ano de idade até os 17 anos.

Vivia assim, anos e anos de sua vida, profundamente inquieto e irritado. Qualquer contradição o fazia estremecer. Qualquer embaraço da vida, o fazia enlouquecer. Na idade madura, ficava horas sentado lendo. De tudo. Clássicos e literatura de muitos autores. Se lhe perguntassem o motivo de sua irritação. Ele respondia: "Viver no Brasil me irrita. Aliás, viver no mundo moderno, me irrita!"

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