Se aqueles anos de dureza profissional sugavam suas forças intelectuais. A espera da aposentadoria exauria sua paciência. De um lado a propaganda oficial do Instituto Nacional do Seguro Social, dizendo que aposentar-se era fácil. De outro lado, debates acalorados do Governo dizendo que haveria mudanças na Previdência. A realidade da Dona Margarida era outra. Já passava dos 65 anos e estava literalmente falida. Sem dinheiro e sem emprego. Sua carteira profissional começava a cheirar mofo.
Esperou cinco longos anos para juntar a papelada da aposentadoria. Mas esta, se distanciava dela a olhos vistos. Achava que seu histórico profissional estava travado no tal computador do INSS. Ou que talvez, algum empregador esquecesse dela na hora de computar seus anos de contribuição. A espera era longa. Mas enfim, após inúmeras madrugadas em filas atrás de senhas para as entrevistas, se aposentou. Depois ironicamente pensou em fazer hidroginástica. Como uma compensação para a energia gasta.
Parecia que aposentadoria rimava com exercícios na água. Espantaria o tédio e manteria seu corpo em forma. Em mentalizações continuava a pensar em preservar a saúde. Que aliás e, louvando Deus e sua genética, ela tinha. Para nadar inclusive. Dona Margarida cuidava da alimentação, não tinha vícios e dormia cedo.
Lépida e faceira, aguardou o dia do primeiro pagamento como aposentada. O cartão magnético retirado no Banco dias antes, era da cor branca. Assim como, seu saldo bancário anterior. Uma fila tranquila e especial, a aguardava. Sem empurra-empurra. Só para aposentados. Foi rapidinho. Num “tec-tec” o dinheiro foi surgindo, animando a Dona Margarida.
Ela pensava em sair dali direto para umas compras no Shopping Center mais próximo para tirar o atraso. Sentaria num café, suspiraria e faria sem plano de voo. Ou quem sabe, usaria o dinheiro para saldar dívidas. Adquiridas no tempo das vacas magras. Pela rua, avistou uma loja com bela vitrine de calçados. Amou tudo que viu. Tênis branquinhos e sapatilhas confortáveis. Mas a aposentadoria não era assim tão polpuda. A compra deveria ser mínima e bem planejada. Decidiu comprar apenas uma botinha. Que era forrada, com botão, um mimo.
Chegou em casa, com mais calma leu a etiqueta:”Made in China”. Conferiu o que ouvia falar nos debates no Rádio e na Televisão. “O mercado dos sapatos chineses invadiu o Rio Grande do Sul”. Compensa lá, descompensa aqui, Dona Margarida queria é ficar com os pés quentes. Pois de economia e mercado internacional, não entendia bem.
E, agora, mais alegre do que nunca. Está quase entendendo a confusa e demorada aposentadoria do INSS. E desfilando em dias de outono, pela Rua da Praia, no centro de Porto Alegre, com suas insuperáveis e úteis, botinhas chinesas. (Ana D´Avila)