Aquela sensação de fracasso percorria suas veias indo parar no cérebro com aquela triste vontade de suicídio. Havia fracassado nos seus desejos e em suas opções. A vida lhe proporcionava a pior das experiências e a convivência com um ser que não combinava com seus planos de bem e beleza. Ela sentia já não ter forças para fantasiar o caos. Assim, sonhando e rindo, era como enfrentar o mal com um buquê de rosas. Não combinava.
Queria espantar a negatividade. O ambiente já não possuía tanta harmonia. Acendeu um incenso de arruda. Depois um de sândalo. Sentou-se na única e dura cadeira da sala e começou a pensar na estupidez humana, em seres que nascem, vivem e não acrescentam nada a ninguém, nem a si mesmos. E veio as inquietações filosóficas da vida: Por que nascemos? Qual o propósito da vida? E principalmente, depois do suicídio, para onde caminharia? Teria sentido desistir da vida?
Numa trajetória humana, todos estamos no mesmo barco, mas os rumos das pessoas são diferentes. Nossas profissões e afetos são diferentes. Onde somos iguais é em nossa composição física. O cérebro, os músculos, as vértebras e o sangue. Problemas advirão se eles não estiverem sãos. Nossos corações batem também, em ritmos diferenciados, mas ele é feito de carne. A mesma carne de todos nós. Somos ínfimos e fracos comparados à uma rocha ou à uma barra de aço.Mesmo diminutos, temos que viver. Fomos gerados. Estamos no mundo.
A cadeira era insuportável. Depois de alguns minutos sentada, o desconforto era sentido. Suas molas e seu forro já bastante corroído ,proporcionava um grande desprazer. Ela provocava mais cansaço do que se alguém sentasse diretamente no chão. Na cozinha, penetrava uma luz. A luminosidade do verão, tão necessária à vida. As plantas lá fora vibravam no pequeno jardim. À noitinha eram regadas. E isto as deixava felizes. A inquietação filosófica novamente vinha à tona: Seria melhor ser um vegetal, uma erva aromática, do que um ser humano? As ervas temperam saladas. São úteis à culinária. Mas a suicida seria últil à que ou à quem?
Desprovida de amor e atenção ela quase sentenciou: quero morrer! Faltava coragem, de por conta própria, deixar de existir. Lia muito. Pensou no presidente suicida: Getúlio Vargas. Que coragem ele teve! Partiu da vida entrando para a estória. Mas ela não queria entrar para a estória. Queria escrever. E se sustentar com seu ofício.
Numa inquietação assustadora e num lapso de memória, quase esqueceu da editora. Eles tinham um projeto para o seu livro. Sem pestanejar, aceitou a impressão e a distribuição. Agora, o suicídio já não fazia parte do seu desejo. Da mesma forma, não haveria coragem para tal ato.
Ficou assim, envelhecendo e escrevendo. Envelhecendo e escrevendo. Por longos e prazerosos dias. Com o cheque da editora, que havia pago seus textos, podia ter mais dignidade na vida. Comprou uma linda cadeira de veludo cinza e colocou na sala, onde nas manhãs, descansava confortavelmente apreciando o sol e ouvindo Maria Callas.(Ana D´Avila)