Aquele título que agora carregava nunca foi imaginado : viúva. Para começar, a sensação de dor, era quase insuportável. Os pensamentos iam sempre na mesma direção, sofrimento. E não raro ,muitas noites mal dormidas em meio ao caos de rezas e lembranças. Uma delas, eram dos livros. Guardados em prateleiras únicas na entrada do apartamento. Que a faziam lembrar do homem culto e educado com o qual viveu quarenta e três anos. Verdadeira enciclopédia. Um verdadeiro amor. Suportado com perdões e muita cumplicidade. Vivido em muitas cidades. Ele era um gênio. Agora insubstituível.
Desistiu de pensar num provável segundo marido. Um ano se passará desde a morte dele e já não mais pensava em ter outra pessoa. Ninguém no mundo abrandaria a dor de sua perda .Ninguém a entenderia, depois de conhecer a vida de Epicuro. O filósofo no qual ele se espelhava. Epicuro assim como Nietzsche e Einstein, e outros gênios da humanidade, não são facilmente encontráveis no confuso mundo aprisionante do ano 2022 em que agora vivemos.
Mas a vida continuava. Pessoas apareciam. Pessoas davam ideias, falavam. Amigos indecifráveis iam formando uma cortina de opiniões próximos a ela. Mas quase não mais fazia sentido. Ele se foi. Foram concluídas todas as reflexões acerca do universo e dos gênios que passaram pela Terra. Foram encerradas as portas que a estavam levando ao conhecimento. O conhecimento é dinâmico, mas agora parece que estagnou. A convivência com ele também. E o que ficará era só uma migalha de vida. Vida esta, que agora era uma sombra. Uma sombra nebulosa e cheia de inquietações.
O primeiro amigo que chegou após a morte do marido lhe deu sustentação para atravessar o primeiro inverno sem a presença dele. Era diferente. Tinha ares de grande capital e tempero internacional. A distraiu muito e fez de suas lágrimas até incontáveis sorrisos. Alegria contagiante apoiada em vinhos de qualidade ,cafezinhos e comidas exóticas.
Mas a mente deste amigo era inquietante. Até hoje não entendeu seus pensamentos nem o que esperava da vida. Ele segue por aí, pensando no mar e na sua força. É um ser instigante, sem a necessidade da literatura . De família italiana guarda provérbios de seu pai. Admirado por ele de uma forma especial. Atravessou o inverno e na primavera desapareceu. Como um anjo que povoou sua mente cumprindo uma missão e, agora deve seguir viagem.
A viagem que talvez aconteça em todas as luas cheias. Em meio a ruas silenciosas e ao barulho ensurdecedor do mar. O mesmo mar que durante o inverno fez um ciclone engolir a praia. Com ele, observava a vida sem traçar nenhum plano de convivência. Tudo para ele,era matematicamente conferido.Para ela, acontecia. Agora focada na lembrança de seu único e grande amor finado. Era uma vúva autêntica.
O fato mais relevante da convivência com este amigo, foram as análises sobre música. Profundas. Principalmente as mensagens das composições de Renato Russo e da Banda Inglesa Led Zeppelin. O rock, embaralhava ainda mais os pensamentos .Mas a mensagem do “Simple Man” foi um bálsamo que a fez chorar numa tarde de sábado. Depois o vinho que entorpecia. Depois as risadas malucas. Enquanto a leveza da vida tornava -se cada vez mais breve. O humor e as mensagens entretanto, foram gigantescas. Eternas. E que não poderão ser facilmente esquecidas.
(Ana D´Avila)