Aquela necessidade um do outro transcendia a própria vida. Era sublime. Eterna. Como o amor o é. Aquele vínculo em plena guerra era carregado de emoções. Principalmente do olhar e do contato de abraços em desespero. Bombas explodiam perto deles. A morte transitava próxima. À toda hora.
O panorama ao redor era muito triste. Desolador. Quando testemunhavam velhos e crianças mortas deitadas nas calçadas úmidas. A jovem de cabelos longos em coque, era alemã. Havia perdido os pais e os irmãos na estupidez da guerra. Ele também havia distanciado da família. Era russo, de Kiev. Encontraram-se por ocaso, numa ruela berlinense. Ela procurando comida. Ele cumprindo sua missão militar.
A guerra é um alto sinal de desumanidade. Seres humanos em função de poder e política, deletam-se. Como ratos. Como digitadores em fúria. Como gesto de profunda estupidez. Mas a guerra existiu. Existe e existirá. É a porção terrível dos cérebros humanos. Dizem os analistas, que a próxima guerra será maior. Ainda está por vir. Será tão cruel que eliminará toda a humanidade. Totalmente cibernética. Com centenas de drones espalhando venenos químicos. E nos mares submarinos anões e invisíveis atacando alvos e países.
O casal da segunda guerra mundial, movido por um incontrolável prazer, trocaram afetos por uns seis meses. E em raros momentos, também mantimentos. Ele conseguia batatas e pães de guerra. Era um pão escuro, amarelo, salgado, feito com farinha de milho. Que fornecia a ela, na esfomeada Berlim dos anos 40. A todo momento, explosões e pessoas desesperadas rondavam os dois. O inverno era intenso. Apesar de seus pesados casacões, tremiam de frio. A neve sempre chegava. Era assustador. Momentos de guerra, fome e frio.
Encontravam consolo nos calorosos abraços. O confortante calor dos corpos entrelaçados e os olhares afetivos dava a eles, por alguns instantes, a sensação de que tudo ficaria bem. Que haveria um futuro melhor. E o mundo seria doce, mais uma vez. Mas a ilusão desta realidade rapidamente se desfazia. Ouviam o som ensurdecedor das bombas e das sirenes convocando os sobreviventes para o abrigo.
Ela falava alemão. Nem uma palavra no idioma russo. Quase nada sabiam um do outro. Mas quando se abraçavam tinham a sensação de intimidade. Estranhos, mas ligados. Nestes encontros, entre escombros e o caos havia muito amor. Um amor verdadeiro que findou com o término da guerra, em 1945.
Houve um vazio imenso quando ele desapareceu. Anos mais tarde, com o coração partido, ela também morreu. A essência do amor, entretanto permaneceu entre eles no mistério da criação. Talvez espiritualmente tenham renascido em outro tempo. Ou na sequência da vida, permanecendo ligados. Eternizados num elo infinito. De paz e muito amor.(Ana D´Avila)