Ana D´Avila | Carta para um Surfista

Para ele o mar tinha uma melodia. Bem expressiva. Escandalosa até.  Provavelmente um som de  rock. Jogando para o ar todos os pedacinhos de água .Todas as gotas.Todos os problemas existenciais. Todas as estórias de alegria e tristeza desta vida complicada e única. Talvez o mar desenhasse na praia finalmente,  a figura de uma  mulher.

E de várias outras: carentes, festivas, insanas, enigmáticas. Seu desafio era vencer ondas. E encantar mulheres. No eterno mar. De águas salgadas , do sul, do norte  e de além mar. Como as enormes ondas de Nazaré em Portugal. Como o amor pelas  mulheres asiáticas. Talvez também, pelas  mineiras brasileiras.

Emborrachado e solitário ia pranchando os espaços agitados dos oceanos. Durante todo o ano o surfista  tinha  sal na boca e doçura no olhar.Tanto em dias de muito sol, céu azul e ondas claras. Como em  outros nublados. Como os de  neblinas ,ressacas e ciclones. Bronzeado, lindo ,olhos esverdeados e calor no coração, fazia quem o conhecesse suspirar.

Sabia se comunicar, dizer coisas bonitas e amava versos de alguns poetas que não compunham   sofrências  de amor. Talvez ele quisesse somente viver em liberdade. Sentir prazer em todos os poros e direções. E era ali no mar, que ele se sentia pleno. Ali era feliz.

A carta chegou a ele num dia de ventania. Estava frio. E somente neste dia, ele não se animou a pegar ondas. Estava triste. Problemas familiares o absorviam. Mesmo assim, ele não dispensou a gargalhada. Sua costumeira risada que sempre chegava, independente do clima e dos problemas. Jamais negou um cumprimento. Nem um cálice de vinho.

 Que nesta tarde, até valeu a pena. Goles quentinhos em cálices de cristal. Sempre valem a pena. No meio do diálogo, lágrimas e sorrisos. O mar é belo, mas dependendo do contexto, aprisiona vidas e sentimentos. Sem palavras, abriu a porta de sua casa.Olhou a rua. O mar estava revolto. Seu dia também.

Por ali, além do vento e do frio, entraram palavras. Palavras que tudo disseram. Depois seguiu-se um silêncio amazônico. Na ante-sala uma prancha de surf branca. Nas maõs, apertos. No rosto, um beijo molhado. Como a areia da praia, depois que a maré vai embora. Apesar de tudo, ele  era um surfista, amante da pimenta na culinária e de semblantes femininos. Que o faziam chorar , rir e se assustar.

 Mas amar o mar era melhor do que amar mulheres. E sua prancha, neste dia, tão sozinha, nem  interagia mais. Ela era um objeto. Ele era um surfista. E pegar as melhores ondas, assim como as melhores mulheres,no fundo tinha um sentido. Era uma necessidade. E o resultado disso, possuía um prazer indecifrável. Escancarado e atrevido , como um orgasmo. Que se propagava em ondas dentro e fora do mar.(Ana D´Avila)

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