Durante a ressaca, um vento forte empurrava as ondas até a praia. Foram dois dias de puro pavor. O ciclone-bomba se aproximava do litoral norte gaúcho. Com ele, uma inevitável pane nas comunicações. Sem televisão e sem Internet. Naquela noite o barulho da ventania não deixava ninguém dormir. Era assustador. Em meio ao breu, seguiu-se uma noite de terror.
O elevador do prédio silenciou. Ninguém ousava colocar o pé para fora. Nem na rua, ou no corredor. Depois, passos, iluminados pela luz de uma lanterna, que ditava o caminho. Era o vizinho curioso querendo saber o que acontecia. Na cobertura do prédio, a antena de TV coletiva foi arremessada para longe. Tudo emudecia. Ninguém dormia. Ninguém enxergava nada. A não ser que tivesse uma lanterna ou algumas velas, que eram acesas na escuridão.
Amanheceu. Os estragos foram vistos e computados. Úma árvore gigante veio ao chão desde a sua raiz. Fios de luz e de Internet caíram em muitas ruas. A praia, mesmo ao dia, tinha ondas gigantes que se deslocavam por cima do calçadão. A água do mar vinha num rondão, fazendo estragos. As pessoas, curiosas e por cima de galhos e areia, constataram a força da natureza. Iam filmando e fotografando o que sobrava de uma orla em emergência.
As ondas iam e vinham. Traziam para a praia todo tipo de detritos. Garrafas plásticas, galhos de árvores e pedras. Não sei de onde apareceram tantas pedras! Eram muitas. Iam de encontro ao calçadão e passavam para a rua. Transformavam tudo em areia encharcada. Dava medo até de olhar.
Ao longe, uma figura insólita, só um pontinho preto na praia. Um homem que ousava entrar na água. Deslocava-se na borda do mar com alguns apetrechos que não eram de pescador. Nem vara nem anzol. Mas, sim, um detector de metais. Com este aparelho, seu Luís, em meio ao pós-ciclone, encontrava uma forma de sobreviver financeiramente. Era um garimpeiro do mar, em busca de tesouros esquecidos na areia por algum turista desatento. Ou por um baú contendo barras de ouro de algum pirata naufragado.
Achou moedas e anéis de ouro, que, uma vez encontrados, eram vendidos a ourives e colecionadores. Deslocando-se pelo mar, ele segue a rotina de encontrar tesouros. Sua caçada pode ter origem no ciclone-bomba que arremessou objetos. Desde o mar até a praia. Provando que em toda tragédia existe um lado bom. O do seu Luís é sobreviver em meio ao caos econômico que a pandemia do coronavírus está gerando. Na eterna busca por tesouros que o mar, em sua fúria, joga para fora.