Era o tempo de uma gestação. Mas era também um tempo de amor. Deliciosamente provado por mãos e bocas que se misturavam com o mar e a lua cheia. A confusão mental e o tempo bicudo do poeta Mário Quintana talvez ditassem a razão daquele período. Período prazeroso, mas também turbulento. Cheio de alegrias e tristezas. Com altos e baixos. Com risos e lágrimas.
Desde o dia 3 de setembro, data de um funeral, a vida a moldava de um jeito surpreendente. Ela chorava. Vagava por ruas sombrias. Noutras ensolaradas e cheias de sombras de sol. Um sol que bronzeou sua pele e lhe mostrou vários segredos do mar. Dos buracos traiçoeiros da faixa de água salgada. Nunca visíveis aos olhos humanos. Mas transparentes e ameaçadores.
Deitada e chorando ela sentiu uma imensa aflição. Que a devorou e a consumiu como um cigarro. Que pouco a pouco solta no ar uma fumaça esbranquiçada e depois queima seus dedos. Imersos num desvendar de alma. Confundindo verdades e malícias. Num eterno bailado de vida. Sua sensibilidade a transformava numa presa fácil na engrenagem terrena. No fim, nem sabia se estava triste ou delirando.Se o amor tinha acabado ou estava apenas começando.
Entretanto, sua verdade vinha do mar. E era nele que se inspirava.Nas verdes pranchas dos esportistas do surf. Nas marés que arrastavam entulhos no inverno.Nos barcos vistos ao longe pescando peixinhos inocentes. Depois, alguns morriam na praia. Pequeninos e indefesos. Sem nenhum vestígio de amor humano.Sem sangue. Morriam em carreirinhos . Mostrando ao mundo, um pouco da maldade humana.
Intacta e sofrendo dores emocionais, ela mergulhava em contradições. Estaria realmente amando ou apenas parindo? Afinal, nove meses se passaram. E ela, produtiva ou não, precisava entender a vida. Que sempre a fazia pensar. Que, em algumas vezes, atropelava seu rosto em grossas lágrimas. Seria a verdade de um feto? Seria a estupidez humana? Agora seus olhos se cerraram. Nem sabia, se vivia ou morria.De qualquer maneira, o sentido de tudo vinha do mar. De fábulas, de espíritos da água. Do sal e do amor da vida.Que havia desaparecido ou estava apenas chegando. Como um céu de verão.Amplo e cheio de calor.Surpresas e contradições.(Ana D´Avila)