O espelho de Rita refletia não só seu corpo. Mostrava seu futuro, passado e presente. Como vozes de ciganas. Como ecos. Como palavras do médico da mente. Como palavras de seu amor falecido. O espelho de Rita era certeiro. Refletia todo narcisismo que existia em suas entranhas. E também risos, desejos, suplicas e suas lágrimas. Copiosas e lastimadas lágrimas, de seus dias confusos.
Começou sua vida estudando religião numa escolinha de bairro. Albabetizou-se e aprimorou sua fé. Frequentava muito pouco a Igreja. Depois seguiu-se novos ensinamentos. Bem brasileira, invocou santos da Igreja Católica e guias da Umbanda.Com uma passada no oriente. Decorava mantras e rezas. Rita não sabia exatamente qual dos caminhos seguir. Acreditando que existem várias opiniões e muitas versões. No fim, com Deus no coração, seguiu acreditando somente no bem . Que ela encontrava em sua complexa religiosidade.
O espelho era grande. Em sua decoração, madeira marron . E por mais que tentasse prendê-lo à sua existência, ele escapulia. Era como um troféu conquistado. Estava li à sua eterna disposição. Um dia se surpreendeu com a exatidão de uma ruga circular, que aparecia em seus olhos. Teve a certeza do envelhecimento. Seus braços e pernas continuavam firmes. Sua fé em Deus e na vida também. O brilho que mantinha nos olhos era herança paterna. Seu pai era um bom vivant. Viveu a vida sempre rindo ao lado de amigos leais e belas mulheres. Jamais esqueceu a gargalhada de seu pai. Assim como sua cabeça de ideias alternativas.
Seu pai não se enquadrava em nenhum tipo de definição de gente. Nada o fazia sofrer. Parecia louco. Nunca se preocupou com a velhice. Talvez por isto, realmente fosse um guri. Talvez um louco mesmo. Descompromissado com a seriedade da vida vivia seus dias felizes e inquietos. Sempre numa mesa farta e com desejos de mudanças. Não seguia nenhuma rotina. Todo dia havia uma novidade. Um caminho novo a percorrer. Não havia tédio. E a semelhança de Rita com o seu pai, era muito evidente.
O espelho de Rita embasava, às vezes, por conta da neblina dos dias de inverno. Nos dias de verão possuía uma grande luminosidade. Que a faziam pensar que ele era um espelho mágico. Em sonho, um dia o penetrou. E caiu num mundo indecifrável. Não sabia se aquilo era real ou sonho. Em tudo , acreditava na verdade de seu espelho. Enfileirado em seu quarto, nítido e intenso, fazendo-a voar nas asas da imaginação. Com ele, seu lado Narciso se expandia. Seu reflexo histórico de fêmea também. (Ana D´Avila)