“Com a “liderança” do G7 atolada em superficialidade intelectual, previsivelmente a única agenda no Japão era mais sanções contra a Rússia”. Recomendamos o artigo do jornalista Pepe Escobar, publicado pelo Strategic Culture e traduzido por Patrícia Zimbres para o 247
Vamos começar com uma representação gráfica sobre onde o Norte e o Sul Global realmente estão.
1. Xian, antiga capital imperial e principal centro das Antigas Rotas da Seda: Xi Jinping sedia a cúpula China-Ásia Central, com a presença de todos os “stões” do Heartland (Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turquemenistão).
A declaração final enfatiza a cooperação econômica e “uma posição resoluta” contra as revoluções coloridas arquitetadas pelo Hegemon. Isso expande o que a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) já estão implementando. Na prática, a cúpula consolida que a parceria estratégica Rússia-China estará protegendo o Heartland.
2. Kazan: o fórum Rússia-Mundo Islâmico une não apenas os líderes religiosos, mas também os principais empresários de nada menos que 85 nações. A Rússia multipolar prosseguiu paralelamente à Cúpula da Liga Árabe em Jeddah, que deu as boas-vindas à Síria de volta à “família árabe”. As nações árabes prometeram por unanimidade acabar com a “interferência estrangeira” para sempre.
3. Hiroshima: o cada vez menor G7, na verdade G9 (acrescentando dois burocratas não eleitos da UE), impõe uma única agenda de mais sanções à Rússia; mais armas para o buraco negro da Ucrânia; e mais lições sobre a China.
4. Lisboa: a reunião anual de Bilderberg – uma festa NATO/Atlanticista – decorre num hotel não tão secreto completamente fechado. Ponto principal da ordem do dia; guerra – híbrida ou não – contra os “RICs” nos BRICS (Rússia, Índia, China).
Eu poderia estar em Xian, ou provavelmente em Kazan. Em vez disso, honrando um compromisso anterior, estava em Ibiza, e depois descartei a ideia de voar para Lisboa como uma perda de tempo. Permita-me compartilhar com você o motivo: chame-o de um pequeno conto das Baleares, quebrando a promessa de marca registrada de que o que acontece nos moviventados e suados inferninhos de Ibiza fica em Ibiza.
Fui convidado para um encontro empresarial de elite – maioritariamente espanhol, mas também com portugueses, alemães, britânicos e escandinavos: executivos de altíssimo nível – em imobiliário, gestão de ativos, banco de investimento. Nosso painel foi intitulado “Mudanças geopolíticas globais e suas consequências”. Antes do painel, os participantes foram convidados a votar no que mais os preocupava em relação ao futuro de seus negócios. O número um foi a inflação e as taxas de juros. O número dois era a geopolítica. Isso prefigurava um debate muito animado pela frente.
Quando um hagiógrafo da UE enlouquece
Mal sabia eu – e o público – que isso se tornaria um passeio selvagem. A primeira apresentação partiu de uma diretora de um “Centro de Política Europeia” em Copenhague. Ela se apresenta como professora de ciências políticas e é conselheira do chefe da UE, “Gardener” Borrell.
Bem, adotei a postura do gato Cheshire depois do tsunami de clichês sobre “valores europeus” e russos malvados, além de ela estar “assustada” com o futuro da Europa. Pelo menos o alívio imediato foi dado pelo impecavelmente diplomático Lanxin Xiang, um personagem adorável, sempre com um sorriso alegre no rosto, e um dos poucos grandes especialistas em China que realmente sabe do que está falando, em inglês fluente.
Lanxin Xiang, entre outras realizações, é Professor Emérito do Instituto de Pós-Graduação em Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra; diretor do Instituto de Política de Segurança do Instituto Nacional da China para SCO International Exchange; e diretor executivo da Fundação Washington para Estudos Europeus. Esta é uma coluna que escrevi sobre ele e sua obra, publicada em outubro de 2020.
O professor Xiang ofereceu uma exposição magistral sobre a obsessão americana de fabricar um “problema de Taiwan” e como a Europa, já espremida pela guerra por procuração dos EUA contra a Rússia, deve ser muito cuidadosa quando se trata de dar lições à China.
Quando chegou a minha vez, fui para matar, descartando todos os chavões dos comunicados de imprensa da UE como um absurdo absoluto e enfatizando como a Europa já está sendo devorada viva pelos proverbiais “interesses americanos”. O mais brevemente possível, expliquei todo o pano de fundo geopolítico da guerra na Ucrânia.
Bem, tudo isso foi entregue aos principais empresários que consomem The Economist, Financial Times e Bloomberg como suas principais fontes de informação. A reação deles falaria muito.
Previsivelmente, o burocrata pago pela UE enlouqueceu completamente e, gritando de indignação, cumpriu o roteiro pré-determinado, desde ameaçar abandonar o palco até me acusar de ser “pago pelo Kremlin”. Pedi a ela, à queima-roupa, para “me contradizer, com fatos”. Nenhum fato foi fornecido. Apenas medo e perplexidade, misturados com insinuações da cultura do cancelamento.
Para seu grande mérito, o moderador extremamente experiente, Struan Robertson, do Bank of America Merrill Lynch, manteve as coisas civilizadas, dando mais tempo para Lanxin Xiang explicar a mentalidade chinesa e abrindo espaço para uma sequência de perguntas muito boas.
No final, o público adorou. Muitos vieram me agradecer pessoalmente por informações que nunca terão acesso no El Pais, Le Monde ou The Economist. Uma minoria na sala ficou simplesmente atordoada – mas nosso debate pelo menos deve tê-los deixado refletindo sobre um monte de noções preconcebidas.
É mérito total dos principais organizadores, José Maria Pons e a chefe do programa, Cristina Garcia-Peri, acolher tal debate na fabulosa Ibiza, na Espanha, território nobre da NATOstan. Na situação atual, isso seria absolutamente impossível na França ou na Alemanha, sem falar na Escandinávia ou naqueles bálticos dementes.
Não há como contra-atacar as narrativas fabricadas papagueadas por hackers e burocratas pagos pela UE, exceto ridicularizando-os – na cara deles. Eles ficam lívidos e mal conseguem gaguejar quando suas mentiras são expostas. Por exemplo, uma das perguntas do plenário, por um empresário alemão de primeira linha, enumerou uma ladainha de fatos obscuros sobre a “democracia” ucraniana que são absolutamente proibidos pela eurocracia.
O G(-7) enlouquece
O que aconteceu em Ibiza se encaixa com o que aconteceu em Hiroshima bombardeada pelos Estados Unidos – os hegemônicos não pedem desculpas – e naquele hotel fechado em Lisboa.
Com a “liderança” do G7 atolada em um pântano pegajoso de superficialidade intelectual, previsivelmente a única agenda no Japão colonizado era mais sanções à Rússia – impostas a terceiros países e empresas nos setores de energia e militar-industrial; mais armas para o buraco negro ucraniano; e uma nova obsessão ridícula e contraproducente de acumular “contenção” na China por suposta “coerção econômica”.
Nas fotos, a propósito, não é um G7 encolhendo que aparece: mas um G9 belicista, aumentado artificialmente por aquele patético casal de eurocratas não eleitos, Charles Michel e Pustula von der Lugen.
No que diz respeito à verdadeira Maioria Global – ou Sul Global – isso parece mais um G-Menor que Zero. Quanto mais as Guerras de Sanções sem sentido e ilegais são “expandidas”, mais a maioria absoluta do Sul Global se afasta do Ocidente coletivo, diplomática, geopolítica e geoeconomicamente.
E é por isso que a principal agenda de Bilderberg no hotel sequestrado em Lisboa era renovar a coordenação OTAN/Atlanticista em uma guerra – híbrida ou não – contra a força motriz do BRICS; os RICs (Rússia, Índia, China).
Havia outros itens no menu – da IA à aguda crise bancária, da “transição energética” aos “desafios fiscais”, sem mencionar a proverbial “liderança dos EUA”.
Mas quando você põe na mesma sala pessoas como Stoltenberg da OTAN; a diretora de inteligência dos Estados Unidos, Avril Haines; o diretor sênior de Planejamento Estratégico do Conselho de Segurança Nacional, Thomas Wright; o presidente da Goldman Sachs, John Waldron; o Chefe Gardener Borrell (cujo lacaio estava em Ibiza); o vice-presidente da Brookfield Asset Management, Mark Carney (um de seus executivos também em Ibiza); o Comandante Supremo Aliado da Europa, Christopher Cavoli; e a vice-primeira-ministra canadense Chrystia Freeland, entre outras artimanhas atlantistas, a trama é evidente:
É a guerra contra o mundo multipolar. Pelo menos podemos dance em paz em Ibiza.