COM VÍDEOS | Projeto da QI cria impressora para cego ler

Professor Rodrigo Barreto, da QI Escolas e Faculdades, orientou alunos na pesquisa e desenvolvimento de impressora braile inédita no planeta

Cego desde os 11 meses quando foi diagnosticado com meningite, e hoje com 23 anos, Claiton da Silva Ramos se tornou a razão de uma pesquisa e desenvolvimento de um projeto pioneiro não só no Brasil, mas no planeta inteiro: uma impressora braile acionada por comando de voz.

Claiton tinha dificuldades para acompanhar os conteúdos repassados pelo professor Rodrigo Barreto Moreira, 34 anos, do curso de Técnico de Informática da QI Escolas e Faculdades de Viamão, principalmente para anotar textos já que é portador de cegueira total.

A dificuldade foi discutida entre professores e alunos, mais de 20, e a professora Andressa Delay propôs uma “vaquinha” para comprar um celular com aplicativo de voz para facilitar a vida do aplicado estudante, segundo o professor Rodrigo, “muito querido por todos da escola”.

Enquanto isso reuniões eram realizadas com a finalidade de encontrar uma maneira de ajudar, facilitar a vida de Claiton. Entre as ideias surgiu a impressora braile e a singularidade que a torna única do gênero: acionada por comando de voz, através do telefone celular.

— O Claiton tinha dificuldades financeiras até para se manter no curso. A ideia era ajudar e facilitar a vida dele, ao mesmo tempo instigar os alunos a conceber a ideia e desenvolver um projeto — contou Rodrigo, ao Seguinte:, em longa conversa na sede da QI, parada 74 da avenida Dorival de Oliveira, em Gravataí.

 

No vídeo abaixo o professor Rodrigo fala da importância do projeto para os deficientes.

 

No começo foram 15 os projetos colocados à mesa, cinco deles foram considerados viáveis e a escolha – para execução – recaiu sobre a proposta de fazer a impressora. Dos três professores e mais de 20 alunos que participaram da reunião, só restaram Rodrigo e dois estudantes: João Lessa, 22 anos, e Josiane Giannechini, 21, ambos alunos Pronatec.

 

A impressora braile, João Lessa e Josiane com o professor Rodrigo  na Mostratec 2016 em Novo Hamburgo 

 

Começou o planejamento sobre quais materiais utilizar por serem mais adequados à ideia. Surgiu parte de gaveta, um mouse pad usado, peças de uma impressora convencional que estava jogada em um canto. De resto, começou a elaboração da programação capaz de integrar o celular e a impressora, ao ponto de fazer o equipamento funcionar.

No mercado existem impressoras braile, alerta Rodrigo. Porém, todas importadas e a um custo de cerca de R$ 20 mil que inviabiliza a aquisição individual e até mesmo por instituições públicas e as Organizações Não Governamentais (ONGs) que trabalham com acessibilidade para os deficientes visuais.

Pasme!

A impressora desenvolvida na QI Escolas e Faculdades teve um custo de… Apenas R$ 290,00.

Mais ainda! As impressoras existentes exigem que o texto seja previamente digitado em um computador, o que dificulta o processo e exige acompanhamento de uma pessoa com visão. Este texto tem que ser gravado em um pen drive e levado, então, à impressora.

O sistema professor-Rodrigo-QI-dois-alunos simplifica tudo. Basta que o deficiente tenha um celular e capture na internet um aplicativo de voz. Com esse aplicativo ele vai gravar, por exemplo, o texto que quer que seja impresso. A gravação é convertida, também com comando de voz, para ser “compreendida” pela impressora que imediatamente começa a perfuração de acordo com o alfabeto braile.

 

Confira no vídeo a explicação de Rodrigo acerca do pioneirismo da impressora.

 

Como funciona

 

Passo 1

: Com o celular, a um toque na tela é possível gravar o “texto”.

Passo 1

: Ainda no celular a fala/voz é convertida em texto mediante um comando de voz.

Passo 3

: Também com a voz o texto é enviado para a impressora que – pronto! – começa a imprimir.

 

Ou seja, todo o processo de “digitação” e comandos são por voz, dispensando o acompanhamento por uma outra pessoa e facilitando ao portador da cegueira que, assim, não necessita digitar em um teclado convencional, gravar no pen drive, conectar o dispositivo na impressora, selecionar e acionar comando de impressão.

 

Na Mostratec

 

Tudo isso aconteceu no ano passado. Desde a constatação da dificuldade de Claiton à concepção da ideia em fins de julho e a finalização do projeto em 20 de outubro. E já rendeu prêmios para a QI, na Mostratec, uma feira de tecnologia de Novo Hamburgo, realizada no mesmo outubro do ano passado, a partir do dia 23.

A impressora – ou o professor e os dois alunos – ficaram com o primeiro lugar no prêmio Ciência da Computação e ganharam, na mesma Mostratec, os prêmios Projeto Mais Inovador e Professor Orientador Destaque.

Também já conquistou o Prêmio Intel de Mulher na Inovação (pela presença da aluna Josiane) e colocou a QI Escolas e Faculdades na mídia nacional com reportagens em jornais, revistas e televisão. A última foi em março, para a Rede Globo.

E só não ganhou prêmio mundial, pelo que explicou o professor Rodrigo, por uma questão de dias. Na verdade, apenas três dias! É que a Mostratec é uma feira que classifica para feiras mundiais.

Mas uma das regras é que os alunos participantes da concepção ou desenvolvimento de projetos tenham, no máximo, 21 anos até o início da mostra. E João Lessa completou 22 anos a três dias da abertura da Mostratec. Como a regra é clara…

 

No próximo vídeo Rodrigo fala como conseguiu produzir uma impressora com custo de apenas R$ 290,00 e fala no projeto que vem por aí. Confira!

 

Como foi feita

 

A dificuldade maior para montar a impressora foi a falta de conhecimento da estrutura de uma, justamente, impressora! O estudo compreendeu a desmontagem de uma impressora convencional para aproveitamento de peças.

Placas de MDF e trilho de gavetas passaram a fazer parte da composição, de forma a viabilizar que a folha de papel (formato A4, o mais comum, encontrado com facilidade nas papelarias) “corresse” na vertical, e não na horizontal.

Superada a parte mecânica foi necessário desenvolver a programação, o que aconteceu em duas etapas. A primeira foi a concepção do aplicativo para celular que necessitava capturar a voz e converter esta gravação em texto para enviar à impressora.

A segunda etapa foi a programação da placa da impressora para transformar o texto recebido em um movimento mecânico capaz de reproduzir o alfabeto braile. A chamada ‘cela braile’ é uma combinação de sequências diferentes, sendo possível 64 combinações que representam todas as letras, números, símbolos e sinais gráficos.

 

Próximo passo

 

O plano agora, de acordo com o professor Rodrigo, é obter apoio financeiro, governamental ou privado, para desenvolver um segundo modelo de impressora braile, mais compacto, mais leve e mais funcional.

— Problema é que conseguir um financiamento, no Brasil, é muito complicado. Tanto público quanto privado. O ideal seria ter o apoio de um grupo de investidores, só que isso também é difícil porque o empresário visa o lucro imediato e em larga escala, o que não vai acontecer com este projeto — diz o professor.

Mas por que não?

Acontece que no Brasil existem cerca de 200 mil pessoas cegas que são alfabetizadas em braile, público capaz de manifestar interesse no equipamento, mais órgãos públicos e instituições não governamentais.

Um número não tão expressivo ao ponto de “fazer girar” uma mercadoria como essa e oferecer a lucratividade que um empresário espera. Mesmo sendo uma obrigação das instituições de ensino dispor de meios para promover a aprendizagem entre os deficientes, como é o caso do braile.

A nova impressora que está na prancheta deve ter um custo um pouco maior, na faixa dos R$ 350,00, e poderá ser colocada no mercado por cerca de R$ 1 mil. Para obter os recursos necessários Rodrigo não descarta a prestação de serviços de impressão para terceiros.

Como, por exemplo, em Viamão, onde ele reside e leciona e onde uma Lei municipal recente exige que todos os bares e restaurantes tenham no menu as informações do cardápio e preços também em braile. A lei entra em vigor em menos de seis meses.

 

No quarto vídeo, abaixo, o professor Rodrigo Barreto Moreira fala, dentre outras coisas, da falta de incentivo à pesquisa, no país.

 

QI na vanguarda

 

O professor Rodrigo é modesto quando questionado se a invenção posiciona a QI na vanguarda da tecnologia a partir do desenvolvimento desta impressora braile e dos estudos – já bem adiantados – de uma nova versão, mais compacta.

— Não diria que é exatamente na vanguarda, mas o mérito é todo, sim, da QI, porque incentivou. Principalmente a gerente da QI Viamão, Michele Soares, que foi uma das nossas maiores incentivadoras — elogiou.

 

QUEM É RODRIGO

 

O ‘professor Pardal’ – “sou mesmo porque amo a área da pesquisa”, diz – da QI cursou Ciência da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUC) onde, atualmente, cursa mestrado na mesma área. É professor há 12 anos e na QI leciona há dois.

Antes e por um bom tempo atuou na área da programação, atividade que lhe rendia um bom faturamento mensal mas considerada por Rodrigo como muito estressante porque chegava a se dedicar até 12 horas por dia para conciliar estudos e trabalho.

Tanto que uma semana após sua formatura chegou a sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), razão pela qual, depois de se recuperar, Rodrigo decidiu deixar de lado a atividade de programador e se dedicar apenas a ensinar.

— Me considero um privilegiado porque pude trazer a pesquisa acadêmica, que sempre gostei, para dentro do curso técnico — diz ele.

Mais recentemente Rodrigo e seus – outros – pupilos alcançaram outra conquista, na primeira edição da QI TEC, mostra tecnológica classificatória para a Mostratec de novo Hamburgo, deste ano.

Ele orientou os alunos e ajudou a desenvolver sete projetos mostrados na QI TEC, cinco deles premiados dos quais dois vão ser levado à mostra do Vale dos Sinos, o MYC – Move Your Cursor, dos alunos da QI de Alvorada, Mariana Vaz Pereira e Carlos Augusto Porto de Oliveira, e o CRACV – Cadeira de Rodas Automatizada com Controle por Voz – do aluno da QI de São Leopoldo Eduardo da Paz Rodrigues.

 

O que são

 

MYC – Move Your Cursor

Destina-se às pessoas com limitações físicas e consiste em um óculos com laser que permite, por exemplo, que um tetraplégico digite um texto. A câmara foca um dos olhos da pessoa enquanto ela aponta o laser para a tecla que deseja e pisca. Dispensa a calibração dos sistemas usado atualmente e que exige do usuário total imobilidade para não ter que passar por todo o processo de calibração novamente.

 

CRACV – Cadeira de Rodas Automatizada com Controle por Voz

O próprio nome explica. Destina-se especialmente às pessoas tetraplégicas e substitui, por exemplo, o mouse bucal (que depois de algum tempo de uso pode resultar em sequelas). Serve igualmente aos idosos que já não têm mais força física.

 

A FRASE

 

— O mundo é muito ingrato com quem precisa. Faltam incentivos e financiamentos para pesquisa e desenvolvimento de projetos, e as exigências legais são absurdas para viabilizar, por exemplo, as startups*.

Rodrigo Barreto Moreira, professor de Tecnologia da Informação na QI Escolas e Faculdades.

 

(* definição aplicada para empresas de pequeno porte, geralmente novas e dedicadas ao desenvolvimento de projetos inovadores).

 

A impressora escreveu

Na demonstração à reportagem, pedimos que a impressora escrevesse, em braile, a palavra Seguinte. Confira.

 

O pivô da invenção

 

Claiton da Silva Ramos, que provocou o start entre alunos e professores que conceberam e desenvolveram o projeto da impressora braile, mora na vila Santo Onofre, em Viamão, e é um estudioso convicto: atualmente está cursando espanhol.

Para o Seguinte:, agora à tarde, Claiton – que tem o ensino médio completo – disse que está distribuindo currículos e busca uma colocação no mercado de trabalho, na área de TI ou como ou como atendente de telefonia.

Sobre ser o protagonista da invenção de algo que não tem similar no mundo, Claiton contém a euforia.

— Foi bacana isso de ter provocado neles um interesse pelo novo, até porque é difícil encontrar pessoas que se interessam desta forma pelos deficientes. Foi bom constatar o entusiasmo do pessoal — disse Claiton.

Ele não tem uma impressora braile como a que foi inventada, em casa, mas diz que já usou o protótipo de forma experimental e que espera que o equipamento chegue ao mercado para melhorar as condições de vida das pessoas que têm problemas como ele.

— As vantagens são muito importantes para nós, principalmente pelo baixo custo já que utiliza material bastante acessível, e por causa do comando por voz — conclui.

 

Rodrigo Barreto Moreira com o aluno Claiton da Silva Ramos no dia da sua formatura no curso de TI

 

O braile

 

1

O sistema de leitura para cegos, conhecido como Braile, surgiu a partir de um sistema de leitura no escuro desenvolvido por Charles Barbier, para uso militar.

 

2

Quando o francês Louis Braille, que era cego, conheceu o sistema, passou a utilizá-lo e logo depois o modificou, passando de um grupo de 12 pontos para um grupo de apenas 6 pontos, formado por duas colunas com três pontos cada.

 

3

O agrupamento de seis pontos possibilita a constituição de 63 símbolos diferentes que servem para representar caracteres na literatura, na matemática, na informática e na música.

 

4

O sistema foi inventado em 1825 e até hoje é utilizado em todo o mundo.

 

Símbolos e caracteres em braile (abaixo).

 

 

 

 

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