Mais uma vez me associo ao jornalista Reinaldo Azevedo, em Deus não morreu, mas o Brasil tem de demiti-lo por incompetência. E agora?, para traduzir o que por vezes parece ininteligível para leigos.
Sigamos no texto.
Nietzsche filosofou, profetizou e poetizou sobre a morte de Deus. Não foi o primeiro nem o último. Tarefa grande demais para filósofos, Deus não morreu, como se sabe, mas os debates renderam textos aos montes, alguns bons, outros nem tanto. Assim, não é novidade tratar do tema. O Brasil enfrenta algo mais extraordinário, mais formidável, mais espetacular: A CONVENIÊNCIA DE DEMITIR O SENHOR. Aí é coisa mesmo do balacobaco.
“Enlouqueceu, Reinaldo?” Eu não. Mas e Roberto Campos Neto, o Altíssimo que presidente a plêiade de Altíssimos do Banco Central?
Ninguém mais acredita nos critérios do BC, mas sabe que ele segue sendo o Todo-Poderoso perverso, idiossincrático, inescrutável. Inventou-se por lá moto-perpétuo dos juros altos. Em todas as entrevistas que concedeu, o neto do avô explicou que a autoridade monetária do país são “as expectativas”. Se aquela gente ouvida pelo Boletim Focus (a quase totalidade dos leitores, a exemplo do resto dos brasileiros, não tem a menor importância) diz que espera a manutenção da taxa, então que se a mantenha. Até havia pouco, tínhamos um Copom que não conduzia nada, mas era conduzido por outros. Isso é o antônimo de “autoridade”.
Tomemos agora a jornada de junho. Todos esperavam, ainda que estúpido, que a Selic fosse mantida. E assim aconteceu. Mas também era consenso que o Comitê dos Deus Olímpicos acenasse com uma redução da dita-cuja na próxima reunião. E isso não aconteceu. Há lá uma coisinha, bem pequena, nesse sentido, que precisa ser interpretada na derivada.
É aquele momento em que o povo está no deserto, e o líder não desce do monte, embora cá embaixo haja desconcertos e desconsertos, com “s” e com “c”. Como Moisés atuava realmente sob inspiração divina, conhecemos o mundo desde o fim, desde o já acontecido. O líder conseguir ver o que ninguém mais vê, estendendo as suas prefigurações além da dor, é comum nessas histórias sobre a origem e o fim dos tempos. Não lemos o esperado, mas o já realizado. Nunca há surpresas nas profecias sobre o passado.
Verdade revelada que não se revela
Mas e agora? O Copom, pelo visto, está de posse uma verdade revelada que não revela a ninguém. Não havia um só índice que justificasse a manutenção da taxa já na reunião de junho. Não acenar com a mudança nem em agosto — com o IGP-M, por exemplo, registrando a maior deflação da história –, bem, aí eles estão dizendo a seus próprios fiéis: “Só lhes resta crer; não podemos explicar agora”.
E houve até uma mudança na dinâmica daquele moto-perpétuo. Antes, reitere-se, o BC media as expectativas e as cumpria. Agora, de posse das mesmas informações, diz aos “mercáduz”: “Não, não vamos baixar a taxa”. E, claro!, a medição seguinte já não é mais uma métrica do que esses “marcáduz” acham que tem de ser feito, mas do que eles acham que o BC vai fazer. Já não é o Copom a interpretar os agentes, mas os agentes a interpretar o Copom. É um modelo obviamente disfuncional.
Leio na Folha sobre o Boletim Focus desta segunda:
“Agora, as expectativas compiladas pela pesquisa, divulgada pelo BC, apontam alta de 5,06% do IPCA em 2023, ante taxa de 5,12% estimada antes, na sexta semana seguida de declínio. Para 2024, a conta caiu pelo quarto boletim consecutivo, a 3,98%, de 4,00% antes. O prognóstico de inflação para 2025 foi mantido em 3,80%, enquanto o de 2026 caiu pela terceira semana seguida, a 3,72%, contra 3,80% na sondagem anterior. O centro da meta oficial para a inflação em 2023 é de 3,25% e para 2024 e 2025 é de 3,00%, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos. O CMN (Conselho Monetário Nacional) tem reunião marcada para esta semana, em que deve estabelecer a meta de inflação para 2026, e o mercado tem especulado sobre a possibilidade de o colegiado determinar que o BC siga objetivo de inflação sem um prazo determinado. Para a Selic, o Focus manteve projeções de que a taxa encerrará este ano em 12,25%, com o início de um ciclo de corte de juros já em agosto, em ritmo de 0,25 ponto percentual, mesmo depois de o BC não ter sinalizado intenção de afrouxar a política monetária tão cedo em sua reunião de política monetária da semana passada. Na ocasião, a autarquia deixou a Selic inalterada em 13,75%.”
Entenda o leitor: os tais “Mercáduz” ainda estão achando que os Deuses Olímpicos podem se convencer de que uma queda da taxa em agosto é possível. Há só mais três reuniões até o fim do ano. Imaginem quanta ousadia seriam três quedas de 0,5 ponto a cada reunião… Se tudo terminar como se diz acima, o Brasil ainda será o campeão mundial dos juros reais: 7,09%. Vale dizer: mesmo apostando na generosidade dos Céus, ainda se tem um quase-inferno na terra para quem produz.
E a demissão de Deus?
Sim, escreve-se e se prevê em todo canto: o BC está se desmoralizando, e isso é o pior que pode acontecer. Lula não tem como demitir ninguém, mas o Senado pode fazê-lo. Não vai acontecer. Vocês lerão por aí sobre um processo que segue no TCU e que poderia resultar na condenação e eventual demissão de Roberto Campos Neto. Não me deterei em minudências. Tudo isso vai dar em nada.
Meu ponto aqui é outro.
E se o BC demonstrar que tem o coração mais duro do que o do faraó, hein? Na história mítica, foi pior para ele e para os egípcios. O povo eleito se salvou. As virtudes redentoras da metáfora acabam aqui.
Inventamos um glorioso modelo, unanimemente reverenciado pela imprensa — que também tem as suas “doxas” —, em que ao presidente do Banco Central e a seus companheiros de Olimpo tudo é permitido. Se decidirem mandar o país para o buraco, mandam. E ponto. Na hipótese remota de que pudessem ser defenestrados pelo Senado, a turbulência também seria gigantesca. Ou o que vocês acham que aconteceria no caso de essa gente levar um pé no traseiro por incompetência comprovada e incapacidade de entender que a política monetária não existe para atender às exigências divinas da política monetária?
E há mais: os agentes políticos estão proibidos de criticar as decisões do Copom. Ou são acusadas, especialmente se contradita partir do presidente da República, de contribuir para elevar os juros que gostariam de baixar. É mentira, mas os que escrevem essa patacoada deixaram de ser analistas há muito tempo. São apenas fiéis de uma seita.
Eis aí. O Brasil chegou ao ponto em que teria de demitir Deus. Mas Deus não pode ser demitido. E agora? “Ah, que tal a chuva de maná?” Desconfio que o Copom seria consideraria “pressão inflacionária”, contribuindo para “desancorar” as expectativas de inflação.
Deus não está morto. Mas é evidente que tem de ser demitido por incompetência. E agora?