Entre verdades múltiplas, Leite sinaliza que cobrança de ‘pedágio sem cancelas’ pode acontecer até em Gravataí e Cachoeirinha; Sem cobrança, sem duplicação até Viamão

Sem pedágio, dificilmente a duplicação da ERS-118 será concluída até Viamão. E, para horror dos contrários ao pedagiamento da rodovia, uma cobrança sem cancelas pode ser feita entre Sapucaia e Gravataí. É a ameaça que fica da entrevista do governador Eduardo Leite (PSDB) à Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira.

Leite mais uma vez mostrou seu brilhantismo em construir múltiplas verdades. Assim como o novo marco do saneamento serviu como desculpa para descumprir a promessa de não vender a Corsan, a regulamentação em novembro do free flow – sistema de cobrança por quilômetro rodado – é a “novidade” para pedagiar a rodovia.

– Não haverá praça de pedágio na 118 – reafirmou o governador, que na campanha eleitoral assinou documento que dizia que “dessa forma, comprometem-se com o não pedagiamento da ERS 118 os candidatos a governador do Rio Grande do Sul”.

Hábil, Leite usou outro trecho do texto do documento do Movimento RS 118 Sem Pedágio para defender que está cumprindo a palavra assinada.

– A carta salienta preocupação com Viamão e Alvorada, municípios com menores índices de desenvolvimento. Não haverá essa praça de pedágio. Suspendemos a concessão no governo passado devido à mobilização – disse, explicando que o Governo do Estado retomou os estudos para concessão do Bloco 1, que era cotado em R$ 3,97 bilhões e, além da 118, RS-020, RS-040, RS-115, RS-118, RS-235, RS-239, RS-466 e RS-474.

Inegável é que a fala, excluindo Alvorada e Viamão, deixa margem também para entender que a cobrança – sem cancela – possa acontecer entre Sapucaia e Gravataí, por exemplo. Por obvio, em alguma, ou algumas das rodovias será inevitável, em caso de concessão.

– (sobre o free flow) É caso, não é o caso? É uma alternativa. Mas tudo passará por consulta pública. Como a mobilização levou a não ter mais praça de pedágio (entre Alvorada e Viamão), pode-se chegar à decisão de não fazer a concessão do Bloco 1. Acho um erro – disse, alertando para a incapacidade do Estado de investir devido à perda de receitas.

– Teremos capacidade de aportar algum recurso (na 118)? Não sei se teremos, nos tiraram receitas. Em seis meses perdemos R$ 5 bilhões com a medida populista do governo Bolsonaro para baixar a gasolina. A proposta do governo federal é compensar R$ 3 milhões em três anos. E as perdas que continuam? São R$ 5 bilhões por ano – alertou.


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Ao fim, insisto: infelizmente a polêmica é mais política do que técnica, racional e baseada na ‘ideologia dos números’.

É que mesmo que a ‘ideologia da necessidade’ imponha uma concessão para a 118 ter a duplicação concluída, e não voltar a ser uma sucursal da Lua, e como diz o prefeito Luiz Zaffalon, “jogar fora os 400 milhões já investidos”, Leite assinou que não pedagiaria a rodovia.

É refém de sua promessa, vítima de um deslize populista provocado pelo medo de perder a eleição.

Se um compromisso foi firmado na campanha com o povo gaúcho, não deveria nem ter estudo sobre o pedágio, seja no modelo tradicional ou free flow.

Mas nada que uma ‘verdade múltipla’ não resolva. Basta Leite ser liberado por nós do compromisso. Pragmaticamente, para além da elevada de acesso ao Distrito Industrial de Gravataí, da qual não podemos reclamar, para termos mais obras e manutenção na 118, talvez seja a única solução.

Lembra-me mais uma vez o Millôr:

“Da inverdade, apanhada na hora, diz-se que é uma mentira deslavada. Um ano depois talvez seja considerada apenas uma outra faceta da verdade. Se persistir, dentro de dez anos será um rapto de imaginação da pessoa que a pronunciou. Um século depois já ninguém mais se lembrará de quem disse a mentira e ela será parte fundamental da sabedoria popular, se transformará em fantasia, em canto, em ode, em épico, em conceito geral de eternidade filosófica”.


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