Erika Goelzer | 2020: o ano mais ansioso dos últimos anos; Você se sente assim?

Os últimos quarenta anos trouxeram muitas particularidades no estilo de vida. Já não dormimos como antigamente, não comemos como antigamente, não vivemos como antigamente, não nascemos e nem morremos como antigamente. Perdi minha avó paterna aos meus 5 anos e aos 61 anos dela. Entretanto, 61 anos, naquela época era uma idade bem avançada: minha avó era uma senhorinha de cabelos brancos, tamanco e vestido floreado. Em contrapartida, hoje, uma pessoa com 61 anos ainda tem muita vida pela frente. Meu pai também faleceu aos 61 anos e não era uma pessoa idosa, pelo contrário, o sentimento foi de que ele morreu muito cedo.

Junto com todas as mudanças de estilo de vida também vieram novas exigências. Na minha infância me correspondia com amigos queridos do Rio de Janeiro. Passávamos o ano trocando cartas que levavam 15 dias entre postagem e entrega pelos correios. Depois disso as cartas ficaram mais rápidas e os correios mais eficientes, tivemos acesso a internet e email, sms e, finalmente, Whatsapp (que para muitos avisa em tempo real se a mensagem foi lida ou não). Definitivamente não nos comunicamos mais como antigamente. 

Este ano em particular trouxe-nos  ainda mais mudanças. Até a forma de abraço mudou: recebemos abraços virtuais. Meu trabalho passou por uma mudança drástica. Há 6 meses não atendo mais presencialmente. A pandemia me obrigou adaptar meu fazer, para minha segurança e dos meus pacientes. Perdi o contato pessoal com cada paciente: o aperto de mão, a troca presencial. Conquistei pacientes em vários locais do Brasil e do Mundo. Já não há mais fronteira para escolher um psicoterapeuta ou psicanalista.

Lembro que em 2001, ficamos sabendo imediatamente do ataque as torres gêmeas em NY e assistimos ao vivo os prédios desabarem. Lembro que eu chorei compulsivamente em frente a TV. Aos meus 22 anos estava assistindo pela primeira vez uma tragédia em tempo real: pessoas morriam de verdade naquela tragédia televisionada. Não era ficção! Não era um filme. E por falar em filmes, até isso mudou: esperávamos meses e anos para que um filme fosse lançado no Brasil enquanto atualmente os lançamentos são “mundiais”.  As últimas temporadas de Game of Thrones foram lançadas exatamente ao mesmo tempo em todos os lugares do mundo. Não é de se admirar que estes novos anos tenham trazido consigo novas formas de sofrer. Lidar com o tempo e com o imponderável virou um desafio constante. Imediatismo e controle passaram a ser necessidades.

Você deve estar se perguntando por que estou escrevendo tudo isso e eu respondo com uma única palavra: ansiedade! Os últimos anos vêm produzindo ansiosos em larga escala. Não li nenhuma pesquisa específica sobre 2020, mas o consenso geral é que o número de ansiosos disparou após a pandemia. Estamos lidando diariamente com o imponderável, e de “brinde” nossa necessidade de imediatismo aumentou.

Não sabemos como será o amanhã e por isso cativamos uma exigência interna de rapidez e produção. Ao mesmo tempo em que a vida parou para esperar o Coronavírus passar, nossas responsabilidades não diminuíram. Estamos em um luto sem fim por tudo que não foi e por todos que se foram. Apesar das demandas, nossa vida se tornou um constante “e se…?”.

Tradicionalmente a mente ansiosa precisa conviver com a expectativa de algo fora do controle possa acontecer. E por isso este ano tem sido um divisor de águas: as mínimas ideias de controle que cativávamos parece estar escorregando entre nossos dedos. Quanto mais perdemos o controle (da economia, da saúde, da educação, do lazer, da vida familiar…), mais afastados do controle os pensamentos e os acontecimentos parecem ficar. A cada dia, pensamos mais e mais, criando novas estratégias para lidar com o imponderável. As estratégias se tornam “expectativas de estratégias” porque na verdade não temos a menor ideia se serão eficientes amanhã. O ciclo se torna sem fim: quanto mais pensamos, mais nos damos conta que o controle total é impossível.

São tantos os pensamentos que toda a angústia “transborda” do aparelho psíquico e acaba por trazer prejuízos orgânicos. O corpo passa sofrer também na sua forma física e aparecem dores de cabeça, estômago, respiração curta, alergias. Enrijecimentos musculares e dores na coluna, dificuldades para dormir… É um catálogo tão grande de sofrimentos físicos que podem ser ocasionados pelo estresse e ansiedade que não conseguiria citar todos. O sofrimento físico normalmente não é imediatamente identificado como um reflexo da mente ansiosa e acaba por trazer novos pensamentos, estratégias e consultas em uma busca incessante por respostas e controle.

Nem todos os ansiosos atuais se enquadram nos critérios diagnósticos para o Transtorno de Ansiedade Generalizada ou uma de suas variantes. Mas isso não faz com que o prejuízo a curto ou longo prazo sejam menores. Um quadro ansioso é importante sempre que traz algum tipo de prejuízo na saúde, nos relacionamentos ou na vida profissional.

Não existe um jeito de ser certo ou errado, mas certamente sempre há um jeito de viver melhor, com mais qualidade. A decisão de procurar ajuda é pessoal e intransferível desde que os prejuízos não “respinguem” nas pessoas que se relacionam com você. O tratamento psicoterápico é “trabalhoso”, as vezes doloroso, mas tem sua eficiência comprovada. Já existem estudos que garantem a validade da psicoterapia, afinal falar sobre algo, com alguém que possa conduzir a conversa de forma calma e isenta, realmente muda o cérebro. 

É possível traçar novos caminhos e novas formas de ser e estar no mundo. É possível focar a mente naquilo que se pode controlar e lidar de forma saudável com o que não se pode. Não deixe de buscar ajuda! Há psicoterapeutas sérios para todos os gostos e bolsos. Caso não sinta afinidade nas primeiras consultas, converse sobre isso ou tente outra pessoa, mas não desista de você! Não desista dos seus! Não desista de uma forma mais feliz de existir!

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Compartilhe esta notícia:

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Que pátria é a deles? 

“É preciso ser uma besta quadrada para desafiar desta forma a soberania brasileira”. Compartilhamos o artigo de José Sócrates, publicado pelo ICL Notícias Que coisa extraordinária. Que coisa absolutamente extraordinária.

Leia mais »

Receba nossa News

Publicidade

Facebook