Esta semana eu não pretendia falar sobre a pandemia, a COVID-19 ou qualquer coisa que remetesse a essa situação trágica que estamos enfrentando. Mas não há como deixar de escrever sobre isso, diante do agravamento da saúde pública, dos hospitais lotados, da bandeira preta e do lockdown que acontecerá a partir de amanhã. Decidi, então, que focarei este texto em um conceito que “pincelei” na publicação da semana passada: O NARCISISMO.
Narciso é um personagem da mitologia grega, filho do deus do rio Céfiso e da ninfa Liríope. Éum dos personagens mais citados na área da psicologia, filosofia, artes plásticas e literatura. Segunda a lenda, Narciso nasceu na região grega da Boécia. Ele era muito belo, e quando nasceu, um dos oráculos, chamado Tirésias, disse que Narciso seria muito atraente e que teria uma vida bem longa. Entretanto, ele não deveria admirar sua beleza, ou melhor, ver seu rosto, uma vez que isso amaldiçoaria sua vida.
Além de ter uma beleza estonteante, a qual despertava a atenção de muitas pessoas (homens e mulheres), Narciso era arrogante e orgulhoso. E, ao invés de se apaixonar por outras pessoas que o admiravam, ele ficou apaixonado por sua própria imagem, ao vê-la refletida num lago.
Sigmund Freud usou o mito de Narciso para metaforizar uma importante fase do desenvolvimento, que ele chamou de narcisismo primário. O narcisismo primário é, uma fase importante e esperada do desenvolvimento psicossexual infantil (lembrem que para Freud, diferentemente do que se lê por ai, sexualidade não tem nada a ver com genitalidade, mas é a palavra que ele utiliza para se referir a tudo que diz respeito aos afetos e às emoções). É a fase em que tudo no bebê está voltado para sua autossatisfação e preservação. A criança pequena, por exemplo não aceita negociar quando tem fome, sono ou qualquer outra necessidade. A capacidade de esperar é adquirida bem mais adiante.
O narcisismo secundário é, por sua vez, no que sobra de afeição do eu sobre si mesmo depois que aprendemos a dar importância para os outros que convivem conosco. Desta forma, todos nós devemos ser um pouco narcisistas já que é exatamente isso que mantém o ímpeto do autocuidado e da autoconservação.
Porém, e há um enorme problema neste “porém”, há um amplo espectro possível no narcisismo que vai da normalidade à patologia. O narcisismo vai desde um carinho por si perfeitamente adequado até extremos alienantes e patológicos: a falta total de amor próprio ou a completa falta de empatia e o desejo/prazer de causar sofrimento em outro ser humano.
Neste período de pandemia, o que vemos é, em muitas pessoas, justamente a expressão clara do narcisismo patológico. Estamos há quase um ano em um contexto de restrição de liberdades em prol da coletividade. A COVID-19 deixou bem claro o quanto não é suficiente cuidar apenas de si mesmo, cada pessoa faz um papel importante na saúde coletiva. Entretanto, o narcisista é um ser egoísta e focado apenas em si mesmo. É exatamente aquele indivíduo que sequer se preocupa com o impacto da pandemia nos outros seres humanos, não se preocupa com quem adoece, com quem morre, com quem vivencia o luto ou vive dificuldades financeiras. É o tipo de pessoa que se comporta como se ocupasse uma situação de privilégio, de direito especial em relação a todo o resto. É o indivíduo que se recusa a usar máscara, que discursa contra a vacina, que aglomera e que vai aonde quiser, com quem quiser. O produto do comportamento do narcisista é o caos coletivo, mas ele não está nem aí e sequer consegue alcançar a grandeza de se dar conta das próprias atitudes, de responsabilizar-se e de mudar seu comportamento.
Que todos os Deuses e forças do bem protejam a nós dos narcisistas, porque, se dependermos deles próprios, estamos em perigo. Não seja um narcisista, pense sobre suas atitudes, faça a sua parte! E se de alguma forma o bem coletivo não for importante para você, procure um psicólogo. Ninguém precisa viver olhando apenas para o próprio umbigo ou se perder admirando o próprio reflexo.