Gaúcha que mora no epicentro do coronavírus revela preocupação com o avanço da doença no Brasil e afirma: “preferia estar na China”

Diante das normas emergenciais, obediência coletiva. Na escassez, empatia e solidariedade. Para cada boato, sensatez. A receita para superar o caos é trabalho, prevenção e união.

Estes são os relatos de uma gaúcha que mora há três anos com a família em  Shenzhen, na China, sobre como o país está superando o coronavírus. Conhecedora dos costumes, cultura e tradições milenares daquele povo, Lisiane Ramos vive duas faces da pandemia. Ela, o marido e o filho passam férias em Gravataí, mas pensamentos e corações estão divididos entre o Brasil e a terra do outro lado do mundo que escolheram para viver.

– Eu estou um pouco assustada. Não foi premeditado sair de lá, a gente já tinha as passagens compradas. Quando eu cheguei aqui, fiquei bastante preocupada com as pessoas, com os amigos que ficaram lá. A gente ficava mandando pensamento positivo – conta.

O retorno já deveria ter ocorrido, mas compromissos pessoais e a propagação do covid-19 na América do Sul forçaram a mudança de planos. Enquanto projeta a volta para casa no fim de abril, Lisiane não esconde a sensação de insegurança.

– Sem dúvida, eu preferia estar na China do que no Brasil – revela.

A afirmação é justificada, segundo ela, pela capacidade de organização e pelos conhecimentos em medicina dos chineses.

– O lugar mais seguro é a China, eu dizia isso antes mesmo de ter o vírus aqui. Lá eles têm tudo para tratar (as pessoas) e fazer dar certo. Estão mais preparados – assegura Lisiane, que é fisioterapeuta.

Shenzhen, onde vive, fica a aproximadamente mil quilômetros de Wuhan, considerado o ponto de partida da pandemia. Na província, assim como em todo o país, a atuação das autoridades e a colaboração da população foram determinantes para a redução dos casos de infecção.

A comparação com as ações governamentais – e o comportamento do brasileiro – causam apreensão na gravataiense.

– Na China as coisas acontecem, as pessoas respeitam muito e cumprem as coisas que são ditas. Lá já é usual a máscara, se a pessoa está um pouco resfriada, vai colocar. Com o corona, virou lei e ninguém saía para a rua sem máscara. Quando disseram que não podia sair de casa, ninguém saía de casa. Quando falaram em ficar em casa para se proteger e proteger as pessoas, realmente todos ficaram em casa. Não é como aqui (Brasil) – relata.

A falta de estrutura para atendimento médico, a escassez de insumos básicos, como máscaras e álcool gel, e a despreocupação da população inquietam a brasileira.

– As pessoas não estão levando a sério. Está cheio de gente na rua, os mercados estão cheios, não precisa comprar tudo e deixar o teu amiguinho sem. Na China faltou porque era ano novo chinês, mas depois as coisas foram voltando ao normal. E ninguém vai lá comprar um monte de coisa e deixar o outro sem. Aqui está acontecendo isso, é chocante para mim. Outra coisa é que se alguém aumentasse o valor das coisas, era preso.

A condução da crise pelo governo federal brasileiro e pelo governo estadual gaúcho também recebe críticas.

– O cara (presidente) não tá levando a sério, depois ele não vai dar conta. O cara não consegue colocar uma máscara… o governo do Estado suspende aula, mas a merendeira de 60 anos tem que ir pra fazer merenda, fazem umas coisas, depois voltam atrás… eles não estão acreditando no que vem pela frente – entende.

Com o coração dividido entre os dois países, Lisiane lamenta o ódio demonstrado por diferentes povos contra a China, e atribui as teorias da conspiração sobre a origem do covid-19 ao desconhecimento do brasileiro em relação aos chineses.

– Teoria da conspiração é loucura total. Não existe. As pessoas criticam muito a China… ah, porque come bicho… ninguém vive lá pra saber o que é aquele povo. Quem debocha é muito injusto.

Lisiane pede união. Sugere que as pessoas se mobilizem aqui no Brasil, espelhados nos bons exemplos chineses.

– A China deu exemplo de união. Todos pelo objetivo de descobrir (a cura) ou controlar a disseminação dessa doença, trabalhando incansavelmente, dia e noite, seja construindo hospital, ou a enfermeira que estava lá de fralda para não ter que parar nem para ir ao banheiro.

Ela se despede fazendo um apelo aos conterrâneos.

– Eu posso ser saudável, não vai acontecer nada comigo, mas eu tenho a minha vó, que tem 95 anos, a minha mãe, que tem 74, e mesmo se eu não tivesse, tem meu vizinho. A gente tem que ter empatia, se unir. Isso não é brincadeira. Trabalhei 22 anos em Gravataí atendendo pacientes, então eu sei que não vão dar conta (governos). Não brinquem agora, fiquem dentro de casa, não precisa ir à missa, não precisa ir ao mercado. Se mora sozinho, peça ajuda… ajude seu vizinho que não pode sair, estenda a mão. É um ajudando o outro que vamos conseguir combater isso aí. Força Brasil – finaliza.

 

Entrevista concedida em 19 de março de 2020.

 

 

Assista a entrevista completa:

 

 

 

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