O futebol e todos nós esquecemos muitas coisas

“Cuca volta ao Atletico-MG com aliados pelo esquecimento de uma história que explica o pacto da masculinidade no futebol”. Recomendamos o artigo da jornalista Ana Thaís Matos, publicado pelo Globo Esporte


Se antes tínhamos dúvidas, receios e desconhecimentos sobre posicionamentos, o tempo nos permite revisitar a história e passar a limpo quem somos e nos atualizarmos diante do que pede a sociedade no momento.

Na última sexta-feira, ao participar do programa Seleção sportv, minutos após o Atletico-MG anunciar a demissão do técnico Turco Mohamed, eu e os colegas de bancadas discutíamos as possibilidades de treinador para o atual campeão brasileiro e da Copa do Brasil, e claro, o nome do técnico Cuca era um dos cotados. Nem surpreende, a convicção e a criatividade dos dirigentes esportivos no Brasil são nulas. Reféns de sucessos alheios e também das fórmulas mágicas que descobrem durante a temporada para as conquistas de títulos.

Cuca foi contratado novamente, movimento bastante parecido com o que fez no Palmeiras em 2016, foi campeão brasileiro e ao fim do ano largou o time para como sempre (também) resolver problemas pessoais, doenças familiares e todas as explicações que se repetiram no Santos e também no próprio Galo. Voltou ao Palmeiras em 2017, meses depois de abandonar o time. Foi uma catástrofe a segunda passagem.

Cuca é um treinador vitorioso e que não traz novidade nenhuma para o futebol brasileiro, fato. Organiza os times com métodos bastante questionáveis (interna e externamente) e vira e mexe conquista um título.

O torcedor não tem muito a ver com isso, quer ganhar. Não importa a forma, não importa o impacto interno causado, não só por Cuca, mas por qualquer treinador. A gente ouve sempre “não quero um treinador para casar com a minha filha, só para me fazer feliz torcendo”. E ok, minha conversa não é nem só com o torcedor de todos os clubes (que assim como eu) só queremos ser felizes e amassar o adversário.

Só que o meu grande questionamento desde que cobri o título brasileiro de 2016 do Palmeiras, estando presente em praticamente TODOS os jogos daquela campanha (dentro e fora de São Paulo) é como o futebol é permissivo com quem ele escolhe ser.

Durante anos e anos, nós que somos militantes do futebol (me incluo), enchemos os pulmões para falarmos em projetos, tempo de trabalho, métodos, e de 2014 para cá exigimos de Felipão, Mano Menezes, Renato Gaúcho, Abel Braga e tantos outros modernidade tática; Fernando Diniz, Roger Machado, Sampaoli, e outros também, que apresentam times muito satisfatórios, mas nós queremos resultados. Jogam bonito, mas cadê título? Ironizamos padrões de jogo porque a maioria não tem conhecimento sobre o campo. Então, se a única coisa que sabemos analisar, o resultado, não vem, a gente cobra demais, estimula até o ódio contra esses profissionais. Eu também sou assim e me cobro para não ser mais.

Mas e Cuca? Por que somos permissivos com um treinador que conquista títulos, vai embora, volta meses depois como se nada tivesse acontecido e é extremamente bajulado em todas as bancadas esportivas do país? Qual é o nosso compromisso em fazer o torcedor em casa entender o quão pouco profissional são comportamentos como esse? Sem contar a quantidade de nenhuma inovação tática, zero modernidade, nenhum compromisso com o futebol que não seja apenas com o próprio ego de ser “sempre” um salvador da pátria.

Só que o pacote Cuca vai além. Após a repercussão do caso do ex-jogador Robinho e também os dez anos do caso Eliza Samudio, o também conhecido caso Berna voltou à tona numa série que foi ao ar em janeiro de 2021 no Esporte Espetacular e no podcast Rodada Tripla. Cuca se nega a revisitar o caso e quando nós (algumas) mulheres falamos sobre isso, ninguém fala para ele ser preso em pleno 2022.

O caso, como se sabe é bastante antigo, depois disso muita coisa aconteceu no mundo. Mas um treinador, por mais limitado que seja e sonha sentar na cadeira do mais alto cargo, que é a seleção brasileira (e que seja só o sonho mesmo), precisa sim dialogar com a sociedade, precisa sim revisitar a sua história. Não por dar resposta à imprensa, afinal, somos apenas veículo condutor da história, mas respostas para a sociedade, por inúmeras torcedoras que enchem o peito para vibrar por clubes que foram, são e serão comandados pelo treinador. E nada adianta pousar ao lado da mãe, da esposa, das filhas. Dialogar com as mulheres não é sobre sentimento de posse sobre as mulheres que convive.

O diálogo também não é inquisitório, aqui ninguém é juiz. Inclusive, o caso já foi julgado. O diálogo tem que ser repassado sobre a história, Cuca precisa olhar a sua história de frente e mostrar através da conversa como toda a comunidade do futebol, através desse pacto da masculinidade, segue extremamente permissiva e viabilizando ele e tantos outros homens seguirem suas carreiras tranquilamente.

Da nossa parte seguiremos analisando o TRABALHO DE CAMPO de Cuca, elogiando como foi a disputa e conquistas dos títulos todos até aqui e criticando quando acharmos limitadas as suas ideia de campo. A análise sobre o trabalho de Cuca seguirá fazendo parte do nosso cotidiano, da minha profissão, das análises. Elogiarei os resultados como foi em 2013, 2016, 2018, 2021, 2022, mas questiono muito o comportamento e o pacote completo de um treinador que conquista títulos, mas qual o seu legado para o futebol brasileiro? Será lembrado por qual motivo?

Eu e algumas mulheres lembraremos sempre o legado permissivo do futebol com homens. Seja pelos resultados na bola, e também fora de campo. O legado do pacto da masculinidade está por toda parte, só que agora, em 2022, nós também estamos.

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