Recomendamos o artigo do jornalista Juremir Machado da Silva, publicado pelo Matinal Jornalismo
Antes tarde do que muito tarde. O barraco ainda repercute. Foi um toma-lá-dá-cá no mais baixo nível possível, ou seja, dentro da média do que se ouve no cercadinho do Alvorada, onde o presidente da República costuma testar suas piadas e obter aplausos caninos.
A expressão é machista, ou homofóbica, mas faz parte da linguagem que Jair Bolsonaro entende. Ele não gosta de ser visto como alguém sentado no colinho de Arthur Lira e da sua tropa sedenta de cargos e vantagens públicas obtidas secretamente. Não ficaria bem para um capitão de tantas malícias ser descrito dessa maneira tão supostamente passiva. Afinal, ele se vê como o machão dominador, aquele que faz e desfaz a lei sem submeter a ninguém, exceto ao centrão, sem o qual poderia estar chupando o dedo na Barra da Tijuca ou em algum lugar menos confortável. Bolsonaro acusou o golpe. Logo ele, tão propenso às aventuras golpistas, passou recibo na rua.
Para escapar de um impeachment, Bolsonaro precisou se associar ao centrão, que dá as cartas na Câmara dos Deputados. Um antigo parlamentar, conhecido como Robertão, dizia: “É dando que se recebe”. O leitor, neste texto cooperativo, pode fazer as próximas frases. A mídia internacional ainda busca a melhor tradução para tchutchuca do centrão. O jornal conservador argentino “La Nación” cravou “perrita del Centrao”. Com licença que vou ali rir e já volto. Não tem como segurar. O também conservador diário francês “Le Figaro” escolheu “putain du Centrao”. Houve quem considerasse o diminutivo: putinha do centrão. Preciso rir de novo. Estou com incontinência de riso.
Não emito julgamento. Conto. Os jornais internacionais mais progressistas evitaram traduções para não cometer tiradas preconceituosas. Um amigo francês me ligou para saber de onde vinha essa expressão maliciosa. A fúria de Bolsonaro, tentando tomar o celular do seu oponente provocador, gerou uma polêmica teórica: o presidente teria praticado censura prévia ou posterior? O termo posterior seria riscado para evitar novas piadas de duplo sentido. O Brasil, definitivamente, é hilário. Dizem que Charles de Gaulle não disse o que dizem que ele disse, ou seja, que o Brasil não é um país sério. Há quem diga que, se ele não disse, deveria ter dito. Enfim, fica o dito pelo não dito, salvo para Bolsonaro. O dito está dito.
– Bem dito! – teria exclamado um petista.
– Maldito – teria rebatido um bolsonarista.
No futuro, especialistas em semiótica escreverão livros sobre a cara de Jair Bolsonaro durante a leitura do discurso de Alexandre de Moraes, na sua posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O capitão foi esmurrado em público sem poder tentar tomar o celular do provocador. Aguentou de peito estufado. Nem respirava. Mas sofria.
Foi uma das piores semanas de Bolsonaro no governo. Apanhou, errou o bote, ouviu o que não queria e não pôde dizer o que sentia.
Coitadinho!
Quando o desastre Bolsonaro chegar ao fim, a imprensa internacional sentirá falta da sua capacidade inigualável de produzir pautas engraçadas. O brasileiro vive desde sempre na tragicomédia.