Turma de Gusttavo Lima domina cachês com dinheiro público

“Com o “efeito tororó”, Anitta provocou investigações do Ministério Público em todo o país; sertanejos recebem mais do que a captação privada da Lei Rouanet”. Compartilhamos o artigo do jornalista Xico Sá, publicado pelo ICL Notícias


O forró pé de serra, o clássico trio sanfona-zambumba-triângulo imortalizado por Luiz Gonzaga, ficou no chinelo e comeu poeira das duplas e cantores sertanejos nas festas juninas.

A invasão não começou agora, mas a bronca foi mais forte este ano, com o domínio de Gusttavo Lima & companhia nos cachês milionários das prefeituras do Nordeste.

Por mais que os artistas bolsonaristas digam que o tema é insistência de “esquerdopatas” para reforçar a tal polarização, o argumento não faz sentido.

Repare no protesto de Elba Ramalho, simpatizante de algumas ideias do ex-presidente nas eleições de 2022:

“Eu não tenho nada contra nenhum artista, nada contra nenhum sertanejo. Tem espaço para tudo, no céu cabem para todas as estrelas, ninguém atropela ninguém. Porém, eu não toco na Festa de Barretos, Dominguinhos também não cantava. A festa é deles, é dos sertanejos, e eles têm bem esta coisa: essa área é nossa”, disse, antes de um show em Caruaru.

Um levantamento do repórter Rodrigo Ortega, no UOL, revelou: Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Ana Castela, Nattan e Zé Neto & Cristiano — os artistas brasileiros com os maiores cachês — receberam juntos R$ 76,8 milhões em dinheiro público municipal por 106 shows em 2024.

Das cinco atrações, Safadão é o único que já foi mais ligado ao forró. Não se pode dizer, no entanto, que o seu trabalho de hoje tenha algum jeito da tradição de pé de serra. É pop, eclético, com pegada sertaneja.

Os dados sobre os cachês estão abertos no Portal Nacional de Contratações Públicas. A grana supera o total do que foi autorizado para captação (junto a empresas privadas) pela da Lei Rouanet no mesmo período — R$ 61,7 milhões.

A Rouanet, é sempre bom lembrar, é o alvo preferencial dos ataques da extrema direita contra artistas ligados à esquerda.

Tudo começou na tatuagem do ânus da cantora Anitta. A “tatooo no tororó”, como ela definiu na sua lição de anatomia, vinha sendo tratada na mídia até com um certo respeito e humor naquele início de 2022.

Mas eis que o desavisado cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, em um show na cidade de Sorriso, no Mato Grosso, resolveu fazer um discurso moralista sobre o tema: “A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou mal. A gente simplesmente vem aqui e canta, e o Brasil inteiro canta com a gente”.

O astro ainda provocou outros colegas de profissão, ao dizer que não dependia da Rouanet (lei de renúncia fiscal) para bancar sua carreira. Nesse momento, ele fazia eco à teoria do presidente Bolsonaro de que os artistas de esquerda viviam da mamata com dinheiro do governo.

O showmício de Zé Neto — contra a tatuagem de Anitta e a “corrupção” — acabou despertando o Ministério Público (MP) para saber quem pagava os shows dos cantores sertanejos. Não deu outra. Revelou-se um festival de hipocrisia da turma que se gabava de não explorar as verbas oficiais.

O primeiro escândalo foi descoberto em Roraima. A prefeitura de São Luiz, município com 8.232 habitantes, contratou Gusttavo Lima por R$ 800 mil. Depois de muita polêmica e investigação do MP, o mesmo cantor teve um contrato de R$ 1,2 milhão cancelado em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais.

Outro inquérito foi aberto na cidade de Magé, no Rio de Janeiro, onde Lima faria mais um show do milhão. Na Bahia, o Tribunal de Justiça cancelou uma apresentação na Festa da Banana de Teolândia — o cachê seria de R$ 704 mil.

Conhecido informalmente como “CPI do Sertanejo”, o escândalo provocou debate no país inteiro. Em Alagoas, o MP pediu cancelamento de uma apresentação do ídolo popular Wesley Safadão que levaria R$ 600 mil da prefeitura de Viçosa. No entendimento dos procuradores, esse gasto com as festas não deveria ultrapassar o limite de R$ 100.

Acossado pela maioria das investigações, Gusttavo Lima chorou, em um live no Instagram. “Sou um cara que faz poucos shows de prefeitura. E quando a gente faz algum, a gente é massacrado como bandido, como se fosse um ladrão que estivesse roubando dinheiro público. E não é isso”.

O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, prestou solidariedade ao cantor. “Fique firme, meu irmão! Você é um cara do bem! Deus proverá”, escreveu nas redes sociais.

A polêmica com Anitta levou ao cancelamento de pelo menos 40 shows, a maioria da turma dos amigos de Zé Neto. O “efeito Tororó”, no entanto, já passou, como mostra a recente farra dos cachês milionários das prefeituras.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Compartilhe esta notícia:

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade

Facebook