Na rua a chuva caía abruptamente. Ninguém, a não ser ela, se aventuraria a caminhar por ali. Nenhum carro. Nenhuma pessoa em sã consciência enfrentaria aquela imensidão de águas dançantes. Quase todas as ruas nas imediações se transformavam em rios. E ela, atrevida e louca, se molhava a cada passo. Indo em direção ao nada, dobrou a esquina.
No prédio uma janelinha semiaberta parecia esperá-la. Parecia enfeitiçá-la. Parecia chamá-la. Também sem um aparente sentido ela abriu o pequeno portão da entrada e tocou a campainha. Ligou o celular e deu uma piscada. Estaria o amigo em casa? Protegido da chuva. Ela não sabia. Teimosa e molhada, clicou um número. Nem sinal de voz. Nem de nada.
Queria um ombro amigo para desabafar um dia complicado. Talvez tomasse um copo de vinho. Para esquentar e para sucumbir aos problemas que a afligiam. Já que a depressão, naquele dia, a consumia. A vida, dia a dia, a estava transformando. Ela já não sabia se amava de verdade. Ou aquilo tudo era só sofrimento. Seguiu-se um clarão no céu. Depois um estrondo. Um transformador fez o poste tremer.
Hora de voltar para casa. Perigoso caminhar assim. Tomar uma providência. De repente, do nada, a janelinha entreaberta se abre. Lá dentro uma figura muito interessante a recebe sorrindo. Porque, de uns tempos para cá, todas as pessoas riam para ela. Ela era uma pessoa comunicativa, mística e alegre. Talvez ela atraísse por este temperamento e energia, estas situações.
Um homem vestido de branco sorriu e abriu a porta do apartamento. Que bela visão! Que gentileza! Ela entrou e se aquietou. O apartamento era grande. Da sala e, no fundo do corredor dava para ver um quarto. E no outro lado, um corredor que dava para a cozinha. Num dos armários muitos copos, pratos e xícaras. Na sala, um sofá imenso e na sala de jantar uma mesa semi-posta.
O jantar foi servido regado a vinho. Depois da sobremesa, seguiu-se um abraço sem definição. Espontânea, como ela. Atrevido, como ele. Sentada, descontraída, conversou muito. Principalmente sobre o inverno e a chuva. Da assustadora enxurrada que, agora, tudo varria. Ela nem viu mais nada. A atração, agora, era ele e o copo de vinho.
Que foi, deliciosamente bebido.
Que foi atrevidamente degustado em rara companhia.
Ainda assim e lá fora, a chuva continuava caindo.