por Leandro Melo
Sem o celular, sem intervalo e agora com 15 minutos a menos de almoço. O que virá amanhã? Pensava a atendente da loja de departamentos. O lugar não tinha mais que 200 metros quadrados e existia abarrotado de tudo o que uma casa poderia precisar. Entre pilhas de cobertores dupla-face, coadores de diversas cores e tamanhos e araras repletas de roupas da penúltima moda, Alice transitava com um olho nos clientes e outro na chefe. Com ela, não tinha essa de só dando uma olhadinha.
Carismática e esperta, se cruzasse o seu caminho, saía de lá com uma sacolinha e um sorriso satisfeito.
Mas quem, no comércio, diz que lidar com público é difícil, nunca precisou encarar a caricatura da madrasta da Gata Borralheira, que aliás, era a dona do estoque, do prédio e da vida das funcionárias. Uma mulher ardilosa que construía a sua cadeia de poder concedendo empréstimos financeiros aos empregados com regras obscuras, permitindo regalias a uns em prejuízo de outros, e garantindo pelo menos uma sessão de humilhação diária a qualquer um que tentasse questioná-la. Duas se fosse com a Alice que só recebia gratidão dos fregueses.
Naquele pequeno espaço, Alice era o alvo principal e ela própria se achava mínima, atribuindo um poder e um tamanho muito maior à rainha má do seu Mundo do Trabalho.
Essa história não tem uma reviravolta, nem final feliz, nem sapatinho de cristal. É o que é e ponto final. Aparentemente, Alice é um tipo que aceita a vida assim. Talvez não tenha conhecido outra forma de valorização, talvez não saiba ao certo quem é a figura estampada no espelho e mesmo virando a casa dos 40, se conforma com o bizarro jeito de gerenciar de sua chefe e em carregar todas as frustrações e amarguras daquela que paga o seu salário.
É triste e doloroso. É a entrada do lado sombrio do Mundo do Trabalho! Pode ser na lojinha com cheiro de roupa guardada desde a estação passada ou no escritório envidraçado do 23º andar. Assédio moral, qualificado, com requintes de crueldade, existe entre patrão e empregado e colegas desumanizados. Mas as histórias só terminam quando a personagem principal se vai e ela continua firme no seu papel. Nesse caso, amanhã, quando o relógio despertar, pode ter início um final feliz.