A vida só melhora

por Gustavo de Assis Guedes

Quando eu tinha mais ou menos a idade das crianças que frequentam as aulas do projeto Skate na Comunidade (10-12 anos), idolatrava meus parentes mais velhos. Não os muito velhos como meus pais ou tios ou avós. Estou falando de primos e, eventualmente, meu irmão. Adorava passar tardes com eles na praia jogando bola e taco ou tomando banhos de chuva e de mar.

Nunca vou esquecer das hilárias noites de canastra, detetive e dorminhoco. Morria de inveja quando faziam coisas que eu era muito pequeno para fazer junto, como ficar na rua depois de escurecer, entrar no mar com a prancha sozinho e subir no telhado para buscar a bola. Minha interpretação da rebeldia e liberdade deles os tornou muito mais interessantes do que o convívio com meus colegas de mesma idade.

Mas havia um porém. Ah, porém. Eles insistiam em ensinar algo que acreditei por muito tempo e que agora discordo completamente. Me diziam: aproveita enquanto pode, porque depois só piora. Como assim? Eles que aproveitavam. O que eu mais queria era ter a idade deles e agora vinham com esse balde d’água fria dizendo “na tua idade era bom”. Não faz sentido.

Quando eu perguntava o motivo, recebia exemplos sobre as férias não durarem mais o verão inteiro, professores deixarem de ser as tias legais e se transformarem em carrascos e, o pior, quando arranjasse um emprego, teria que obedecer às ordens sem sentido do meu chefe.

Naquele momento constatei que não sabia nada sobre ser mais velho. Hoje discordo de todos eles. Minha vida só melhorou. Mesmo com minha dose de professores insuportáveis que odiavam dar aula e descontavam a frustração nos alunos. Apesar dos chefes sem noção, querendo mandar e desmandar o que bem entendessem. E não consigo imaginar quando foi a última vez que tirei férias de 30 dias corridos, muito menos de um verão inteiro.

Mas dos péssimos professores sequer lembro os nomes. Para os chefes ruins deixei meu adeus e todo estresse do trabalho só para eles. Minhas férias nunca mais foram tão longas, mas consigo planejar minha carga-horária para espichar um feriado aqui, e tirar uma semana de folga ali.

Por isso, tento conversar com as crianças que participam do Skate na Comunidade para não acreditarem que a vida piora. Claro que ela pode piorar. Se não tivermos prazer nem sucesso na profissão, seremos estressados. Se não nutrirmos relações (de amizade, trabalho ou amorosas) de qualidade, sofreremos uma carência social.

Mas como passar toda essa mensagem de vida sobre relacionamentos, carreira e escolha de mentores assim, em apenas algumas horas aos sábados pela manhã? Uma vez li uma frase muito interessante em um museu ou na base de alguma escultura, talvez tenha sido pichado em algum muro ou, ainda, no cartaz de um mendigo. Não lembro. Não importa. Eis a frase:

Se você faz o que ama e paga o aluguel, você é bem-sucedido

Pensei em falar com as crianças sobre isso, com o velho discurso de trabalhar duro para realizar seus sonhos, então lembrei de um texto de Marcos Piangers, onde ele faz a reflexão sobre “no final, menos importa(r) quantos dias teve sua vida, mas quanta vida teve nos seus dias.”

Com isso em mente, pensei em motivá-los a se esforçarem para fazer o que gostam e transformar isso na sua profissão, mas ressaltando para não se esfalfarem, porque somente um tolo trabalha até não aguentar mais. Aquela coisa de aproveitar a vida e a família, sabe?

Mas achei que esse ensinamento não atingiria as crianças, principalmente pelo fato de eu somente ter começado a pensar na minha vida profissional após os 20 anos. E olhando os meninos elogiando o penteado moicano emplastrado de gel de um colega e as meninas compartilhando dicas sobre como perder o medo para tentar descer a rampa de skate, percebi que eles teriam muito mais a me ensinar sobre “vida nos dias” do que o contrário.

 Até que um aluno novo chegou perto para me dar bom-dia e apertou minha mão encabulado, me lembrando do skatista profissional Andrew Reynolds explicando em uma entrevista como Tony Hawk o havia ensinado a cumprimentar as pessoas olhando-as nos olhos. Chamei o menino de volta e tivemos a seguinte conversa:

– Assim, ó. Firme. Olho no olho. Tudo bem com o senhor? Posso fazer alguma coisa pra te ajudar?

– Tudo bem. E com o senhor? Quero ensinar pro meu irmão uma manobra, mas não consigo dar as dicas pra ele que nem vocês.

– Legal. Tenta mostrar pra ele passo a passo, pra ele evoluir aos poucos, porque é muito difícil aprender tudo em um dia. E não esqueçam de se divertir.

– Entendi. Obrigado!

Acho que consegui ensinar para ele alguma coisa, e aprendi que, muitas vezes, o mais simples dos gestos pode ser suficiente para passar uma mensagem.

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