Bagagem intelectual ela tinha. Mas titubeava ao entrar fundo em questões científicas e políticas. A manchete dos jornais, rádios e televisões falava dos furacões no Golfo do México. Experts em meteorologia eram chamados a explicar o fenômeno e tecer considerações.
Mas ela, delicadamente alienada, foi vista colocando no varal, suas calcinhas vermelhas, livre de qualquer preocupação. As ditas, evidentemente voaram, como flocos de algodão nos quase 300 quilômetros de fúria do furacão, na outrora sequinha, Miami Beach.
Lembrou do furacão que um dia vivenciou lá na Flórida. Não foi categoria 5 como agora, mas na época assustou. Procurando lugar seguro, ela seguiu para o seu apartamento em Tampa. Voltou para o Brasil contando repetidamente, a estória para os amigos.
Agora, em 2024, pelo Skipe, dialogava com sua prima. Que estava bem longe dos Estados Unidos. Em férias nos arredores de Paris, saudava a vida com seu dourado cálice de champanhe. Por alguns segundos, invejou a sorte da prima. Pois ela, no momento, não corria riscos. Não tinha calcinha vermelha pendurada no varal. E não tinha pecha de alienada. Ao contrário, a prima era professora universitária. Tinha mestrado em comunicação em Boston. Ideias modernas e fixação no feminismo.
Do Brasil, só ouvia falar dos escândalos políticos. Lamentava. Ela que vivia tão verde e amarela. Que defendia nossa alegria e nossa música. Agora sentia na Europa, uma certa vergonha de ser brasileira. Quando entrava em alguma loja parisiense para comprar roupas e as atendentes descobriam que ela era brasileira, se cutucavam. Entre elas, redobravam os cuidados. Como se toda brasileira fosse ladra. Interligando sua presença com as notícias que elas viam na televisão.
Um certo amigo psicanalista, que outrora havia sido seu confidente, a considerava uma mulher supersticiosa e alienada. Como, alguém que passou pelos bancos universitários podia ser assim, tão sem opinião? Será que ela fazia um tipo? Um estilo alienada. O certo é que não queria era bater de frente com ideias opostas.
Até nas hodiernas redes sociais se mantinha neutra. Um dito “amigo virtual” endereçou a ela uma imagem-indireta: uma foto de mulher com nariz de palhaço. Mas ao invés de brigar com ele, entendeu a provocação. Até gostou. Pois o circo é a melhor escola teatral do mundo. E, ela adorava a arte teatral. Melhor ser palhaça do que partidária. Melhor fazer rir do que fazer chorar.
Na sua humildade fingia ser burra. Não provocava. Não rebatia. Embora entendesse que um pouquinho de opinião é salutar. Nestes dias apocalípticos. Onde acontecem imprevistos climáticos e onde a maioria das populações,dependendo do ângulo, também pode ser considerada alienada.(Ana D´Avila)