Até então a vida não lhe reservara nenhuma liberdade. Estava presa ao passado e também ao seu corpo físico e sagrado. Não admitia contrariedades nem paternalismos. Mas seguia. Na contramão de tudo e, principalmente de sua estória de vida. Patética e nebulosa vida. Tão louca e atrevida quanto ela quando se julgava inútil e pegajosa.
Só vivia para comer, defecar e pensar bobagens. Vivia de uma parca aposentadoria. E lia algumas vezes um livro de poesia para amansar sua raiva. Notadamente quando era enfrentada. Era um ser grato, entendia a espiritualidade. Mas de vez em quando suas palavras feriam. Tal qual um vulcão prestes a explodir.
Não era feia, mas não bela. Uma mulher comum enfeitada com muitos adereços. O que lhe valia um certo exotismo. Suas imensas tranças prateadas faziam dela quase um figura mística. E todos a amavam.
Nas suas cartas de tarô figuravam grandes inquietações. Nos cruzamentos da estrada da vida ela corria para suas lâminas orientadoras. Queria saber o que o futuro lhe reservava. Saber muito mais, de tudo. E muitas vezes obtinha grandes respostas. As cartas de tarô, quando bem estudadas, orientam e ensinam.
Onde morava existia uma cerca elétrica. E também flores e ervas. Contradições a parte, era como se existissem o bem e o mal. Estranha vida de contrastes. Mas em verdade, era. As vezes queria viver. Saborear o prazer de estar viva e ter saúde. Em outras desejava morrer. Fugir das aflições da vida.
Em uma manhã de sol e inspiração, escreveu uma carta. De despedida. O mundo a estava sufocando. Com as últimas notas de dois reais, chamou um taxi. Este a levou para um lugar ermo e longe de toda estupidez humana. Desceu e desapareceu. Entre as brumas do mar. De saudades e de tudo o mais que lhe castigava (Ana D´Avila)