Coluna do Brasil | Violenta explosão em Beirute traz semelhanças com tragédia na Boate Kiss

A grande explosão ocorrida na área portuária de Beirute, no Líbano, completa amanhã duas semanas. O violento incidente deixou 220 mortos e milhares de feridos e segue deixando marcas sobre a capital do Líbano que vão além dos tantos prédios demolidos ou permanentemente danificados. O primeiro-ministro Hassan Diab anunciou sua renúncia em um discurso televisionado. Antes dele, os ministros da Justiça, Informação  e Meio Ambiente já haviam se retirado do governo.

Não poderia ser diferente. É natural pensar assim diante da potência da explosão originada na área portuária onde estavam armazenadas nada mais nada menos do que 2,7 mil toneladas de nitrato de amônia, uma substância extremamente explosiva. O desconforto que causou a debandada no governo está relacionado às condições de armazenamento do produto tão perigoso sem as devidas medidas de segurança. E pior ainda, era do conhecimento do governo o risco iminente que representava a carga naquele local.

As imagens coletadas por diferentes câmeras registraram a energia gerada pela explosão de diversos ângulos diferentes. São cenas impressionantes da força gerada pelo cogumelo avistado em Beirute, relembrando a terrível cena da bomba atômica sobre Hiroshima, no final da Segunda Guerra, em 1945. Não era para menos, apesar de não ser uma explosão atômica, como aquelas ocorridas sobre os céus do Japão, ela foi uma das maiores explosões não nucleares da história, conforme especialistas.

Pois bem, 220 mortos. Uma catástrofe. No Brasil, aqui mesmo no Rio Grande do Sul, bem próximo a nós, uma tragédia ainda maior ocorreu, mas parece não atrair a mesma importância, embora tenha custado 242 vidas. Refiro-me ao incêndio ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, que completou aniversário de sete anos em 2020, sem nenhum dos indiciados sendo sequer julgados.

O som ensurdecedor da explosão no Líbano e afetou a estrutura do governo daquele país deveria ecoar também no Brasil. No caso da boate Kiss, onde as mortes ocorreram de forma bem mais silenciosa, por sufocamento causado pela  inalação de gases tóxicos, não ocorreram consequências semelhantes, embora os casos sejam semelhantes, principalmente no que diz respeito à negligência dos governos. Lá, enquanto assistimos a queda do primeiro ministro, aqui o que vimos estupefatos foi o contrário. O então prefeito da cidade na época do acidente, Cezar Schirmer, apenas três anos após as mortes, era nomeado secretário de Segurança do Estado, e, posteriormente, para secretário da Economia Criativa da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania do governo federal.

Testemunhas que estiveram em Santa Maria podem relatar a dor e o desespero daqueles que perderam filhos e filhas, amigos e amigas, dentro do “forno enjambrado”. “Eu cheguei lá alguns dias depois da tragédia, para entrevistar familiares de vítimas e acompanhar a investigação policial do caso. É difícil descrever como se sentia um pai ou uma mãe que se viu obrigado a sepultar uma filha ou um filho de aproximadamente 20 anos. Cada um enfrentava à sua maneira. Alguns com indignação, vociferando contra os proprietários da casa noturna, músicos da banda Gurizada Fandangueira e integrantes do poder público que se envolveram, de alguma forma, no processo de obtenção do alvará para que a antiga boate funcionasse. Outros com solidariedade, realizando ações sociais para homenagear os filhos. Mas todos tinham em comum as lágrimas e sensações de vazio e impotência”, declarou com exclusividade o jornalista Felipe Truda, uma testemunha do horror.

O mesmo horror que causa saber que nenhum dos quatro intimados sequer foram julgados, mesmo depois de tantos anos. São eles o produtor musical Luciano Bonilha Leão além dos empresários Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann e do músico Marcelo de Jesus dos Santos.

Se a explosão de Beirute lembrou a de Hiroshima, a tragédia na Boate Kiss remeteu a outra fatídica cicatriz da Segunda Guerra, a indústria da morte de Hitler nos fornos dos campos de concentração. Mas no Brasil parece que a história se desenvolve de trás para frente e ainda não podemos nos dar o luxo de imaginar que as famílias das 242 vítimas possam estar consoladas. Ao contrário, precisam seguir suas vidas enquanto aguardam as devidas responsabilizações em torturante “câmera lenta”.

“Retornei à cidade quando a tragédia completou seis meses e no primeiro e segundo aniversários. A impressão era que a tristeza e o abatimento deram lugar à indignação. Nenhum integrante do Ministério Público e da prefeitura à época foi punido. Os sócios e membros da banda que estavam presos foram soltos, e ainda aguardam julgamento. A impunidade maltrata ainda mais quem sofre com isso, como o sal que mantém uma ferida aberta”, lembrou Felipe Truda.

Quando será que poderemos fechar essa ferida gaúcha e brasileira? Enquanto esse momento não chegar, a Boate Kiss não passará de uma casa antiga abandonada no centro de Santa Maria que seguirá nos assombrando indefinidamente. Um julgamento sem data para ocorrer de um horror sem tempo para acabar.   

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