O Chile entrou na nossa rota de uma forma diferente de todos os outros lugares. Por estar lado a lado com a Argentina em toda a extensão, passamos muitas vezes de um País para o outro. Íamos cruzando as fronteiras, conhecendo cidades, subindo devagar, descobrindo cada pedaço. Foram tantas travessias que, em alguns momentos, já parecia rotina.
A última entrada no Chile foi pela fronteira de Paso Jama. Um lugar que não se esquece. São mais de 4.200 metros de altitude, vento cortante, clima seco e uma paisagem que parece de outro planeta. Já estávamos há quase um ano rodando pela Argentina, então aquela travessia marcou não só um novo trecho da viagem, mas também um cansaço acumulado, uma sensação de que tudo tinha ficado mais intenso ali em cima.
Foi uma fronteira tranquila em termos burocráticos, mas dura pelo cansaço, pela altitude e pela consciência de que estávamos entrando em outro país, com outra energia. E a diferença era clara. Enquanto a Argentina tinha nos abraçado de um jeito que fazia a gente pertencer, o Chile se mostrou diferente. Um país lindo, diverso, cheio de cenários inacreditáveis, mas com um povo mais reservado. Parecia haver uma distância natural.
O chileno observa primeiro, mede, pensa, para só depois se aproximar. Esse jeito mais contido, somado ao fato de eles não terem uma cultura tão forte de vida sobre rodas, tornou nossa estadia mais desafiadora. Mesmo assim, atravessamos paisagens que ficarão na memória para sempre. Em Punta Arenas, sentimos o vento gelado do extremo sul bater no rosto enquanto observávamos o estreito de Magalhães, imaginando quantos navegantes já haviam passado por ali.
Na Carretera Austral, a estrada serpenteava por montanhas verdes, rios cristalinos e vilarejos que pareciam intocados pelo tempo. Era um Chile mais íntimo, mais puro. Subindo, chegamos ao Deserto do Atacama. O contraste era tão grande que parecia que estávamos em outro País. De repente, tudo era seco, áspero, com cores de ferrugem. San Pedro de Atacama tinha um magnetismo único.
Visitamos o Magic Bus, um antigo ônibus perdido no meio do deserto que parecia cenário de filme e despertava a imaginação. Nos Geysers del Tatio, acordamos de madrugada para ver o vapor subindo das fendas da terra no frio intenso da manhã. Era surreal caminhar entre aquelas colunas brancas com o sol nascendo atrás das montanhas. Na Laguna Cejar, boiamos em um lago incrivelmente salgado, onde era impossível afundar. A água fria e densa, combinada com o silêncio ao redor, criava uma sensação de outro mundo.
Mais ao sul, conhecemos as Lagunas Altiplânicas e Piedras Rojas. As cores vibrantes da paisagem, o azul quase impossível da água e o vermelho das rochas faziam tudo parecer uma pintura viva. Cada lugar tinha uma energia diferente e uma beleza que não cabia em palavras. Passamos por Antofagasta, com seu ar de cidade portuária grande, e depois Hornitos, um pequeno pedaço de litoral isolado.
Mais adiante, Iquique nos recebeu com suas dunas gigantescas e o mar sempre por perto. Foi ali que percebemos o quanto o Chile muda de paisagem em poucos quilômetros. Mas nem tudo eram cenários de cartão-postal. Tivemos dificuldades reais. Abastecer a caixa d’água foi um dos maiores desafios, principalmente no deserto e no litoral. Muitas vezes não permitiam encher, e em outras ocasiões, mesmo oferecendo pagar, simplesmente diziam não.
Também era difícil encontrar lugares seguros e autorizados para estacionar o motorhome. Diferente da Argentina, onde quase toda cidade tinha alguma área de apoio, no Chile as opções eram poucas e espalhadas.
Apesar dos perrengues, havia sempre momentos de encanto. Como família, aprendemos a lidar com essas restrições de forma paciente. Alguns dias, era preciso aceitar que não daria para fazer tudo. Outros, a rotina mudava de acordo com o que era possível.
E assim seguimos, aprendendo a ser flexíveis, sem perder a alegria de estar ali.
O Chile é um País incrível, cheio de paisagens que parecem impossíveis de tão perfeitas. Mas também foi um lugar que nos mostrou o outro lado da viagem: que nem sempre dá pra pertencer aonde se chega. Às vezes, a gente só passa, observa, aprende e segue. E tudo bem ser assim. A despedida foi discreta. Não teve grandes comemorações, mas teve uma gratidão profunda.
Gratidão por cada dia em que acordamos diante de montanhas, desertos ou praias. Gratidão pelo tanto que crescemos, mesmo nos momentos mais difíceis. Ao seguir para o próximo destino, sentimos que estávamos mais preparados para o que quer que a estrada nos reservasse. Mais fortes, mais leves e com a certeza de que cada país, com seu jeito único, deixa marcas que ninguém pode apagar.
Deixamos o Chile com um sentimento de respeito, admiração e aprendizado.
E com o coração aberto para os próximos quilômetros.













