Deu no ‘Alô Gravataí’, página de Facebook com 129,8 mil membros, que grupo de WhatsApp organiza protesto por maior segurança nas escolas, nesta quarta-feira, em frente à Prefeitura de Gravataí. São as soluções simples – infactíveis, inconstitucionais e anticientíficas – para problemas difíceis: policiais, vigilantes e professores armados, revista de alunos e outras propostas exóticas que alertei em Culpo sim o ‘bolsonarismo’ pela tragédia em Blumenau.
Apelo: famílias, desistam dessa – compreensível, por desesperada – ideia ruim. Não disseminem mais medo. Não sejam usados por irresponsáveis caça-cliques. Escola não é presídio. E, pela gravidade do momento, dediquem um tempinho para ler este artigo para além da manchete, pode ser?
“Se a gente se calar, as autoridades só irão tomar atitude quando o pior acontecer, assim como aconteceu em Blumenau-SC”, diz trecho da descrição do grupo, que defende “guardas armados nas escolas, detectores de metal nas portarias e o chamado botão de pânico”.
Antes de qualquer coisa, é preciso saber o que a Prefeitura faz pela segurança nas escolas. Ouvi o coronel reformado da Brigada Militar Flávio Lopes, secretário de Segurança e que tem no currículo mais de quatro década de segurança pública.
– Mesmo sem incidentes, nos preocupamos sempre com a segurança. Mas é preciso evitar pânico coletivo e seguir as orientações de profissionais da segurança pública. Muita repressão traumatiza as crianças. É compreensível a cobrança, e sugestões, algumas mirabolantes, por soluções emergenciais. Mas é complexa a resolução material de um problema virtual, que nasce nas redes sociais – alerta o especialista.
Conforme o secretário, o plano de segurança criado em 2016 já cercou todas as 76 escolas com gradis, que, por permitirem a visão interna e externa, são mais seguros que muros.
Há, também, câmeras de monitoramento, todas substituídas em 2021 por equipamentos com o chamado sensor analítico de intrusão, que detecta invasões no perímetro da escola e comunica a central de monitoramento.
Há, ainda, um vigia em cada escola, cada todos formados pela Guarda Municipal, portando rádios com ‘botão de pânico’ que acionam os agentes assim que são verificadas situações suspeitas no entorno das escolas.
Isso além da tradicional Patrulha Escolar. Antes da tragédia na creche Bom Pastor, cinco viaturas, com 10 guardas, percorriam diariamente as escolas. Após, para aumentar a sensação de segurança, são 30 guardas, recrutados de outros grupamentos, como o ambiental, por exemplo.
Assim que viaturas saem da frente das escolas, a patrulha comunica a central pelo rádio e o perímetro dessas escolas fica em primeiro plano nas câmeras da central de monitoramento.
Para se ter uma ideia do pânico, sexta-feira um morador do Barnabé acionou a Guarda Municipal por suspeitar da colocação de uma suposta bomba junto ao muro da escola Rui Ramos.
Agentes cercaram o local – sob olhares de pavor de pais, mães, alunos, professores, funcionários e vizinhos – e identificaram o dispositivo como um refil descartável de filtro de água doméstico.
O coronel comunga do alerta de especialistas de que armar pessoas dentro das escolas traz mais risco para a comunidade escolar.
– Trabalho com armamento há 44 anos e não é tecnicamente recomendado sacar uma arma em ambientes de grande concentração, principalmente de crianças – adverte, apontando para além do risco de acidentes, a possibilidade de inocentes feridos em tiroteios.
Flávio Lopes usa exemplos pessoais, da vida real:
– Os bancos acionavam o botão de pânico em assaltos. Por duas vezes participei de operações em que houve troca de tiros e gente foi ferida. A Febraban (federação dos bancos) passou a recomendar que o botão fosse acionado apenas após a saída dos criminosos. Não tenho notícias de inocentes feridos depois disso – constata.
Mesmo que o prefeito Luiz Zaffalon (MDB) quisesse passar por cima do que recomendam especialistas em segurança pública, seria preciso quase que dobrar o efetivo da Guarda Municipal para ter um agente armado em cada escola; os 87 vigias não podem usar armas.
A Guarda tem hoje 215 agentes – efetivo igual, ou até maior que a Brigada Militar. Devido ao regime de 12 horas de trabalho e 12 de folga, seriam necessários mais 200 guardas para cobrar as 76 escolas e outras 24 conveniadas – isso após 9 meses da formação necessária, conforme a legislação que rege as guardas municipais.
Cachoeirinha anunciou na sexta-feira um guarda por escola, mas é uma ação temporária. Com um efetivo que corresponde à metade de Gravataí, a operação não se sustenta muito além desta semana do dia 20, quanto se teme atentados pelo aniversário de Hitler e do massacre em Columbine, nos EUA – onde a média em 2022 foi de 1 ataque por dia; no Brasil já chegamos a 1 por semana.
Outra sugestão absurda que circula nas redes sociais é a revista dos alunos – o que, saúdo!, o coronel e o prefeito não compactuam. Além de inconstitucional, é infactível: Gravataí tem 30 mil alunos.
Usando como exemplo a escola Santa Rita, que tem 800 alunos, a revista de 400 estudantes por turno demandaria a chegada duas horas antes do horário de entrar na sala de aula.
A ilegalidade é incontestável, pela violação aos direitos individuais e restrição dos direitos protegidos constitucionalmente (dignidade da pessoa humana, art. 1o., III; princípio da presunção de inocência, art. 5o., LVII; proibição de violação da intimidade, o respeito à vida privada, à honra, à imagem das pessoas, art. 5o., X; direito de ir e vir, art. 5o., XV).
De acordo com o Código de Processo Penal (art. 240, § 2o; art. 244) “proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita (grifo meu) de que alguém oculte consigo arma proibida, coisas achadas ou obtidas por meios criminosos ou qualquer outro elemento de convicção sobre crime.
Mais: diz o Estatuto da Criança e do Adolescente que nenhuma criança pode ser revistada sem a presença de um responsável. Caso não haja responsável, o agente deve chamar um Conselheiro Tutelar para acompanhar a revista. Se encontrar algo ilícito, a criança deve ser entregue ao Conselho Tutelar para a aplicação de uma medida protetiva. Em nenhuma hipótese a criança deve ser levada para a Delegacia.
– Recomendamos que familiares olhem as mochilas dos filhos antes de irem às escolas, os quartos, as redes sociais – diz o coronel, alertando que a exposição às fake news já faz com que, após o atentado, mães e pais relatem que os filhos estão com medo de ir para a escola.
– Não podemos alimentar essa máquina de ódio e fake news – resume o secretário, lembrando que 8 pessoas já foram presas no Rio Grande do Sul por disseminação de notícias falsas e apologia a ideologias extremistas como o nazismo.
Acrescento: pesquisas mostram que fake news circulam 7 vezes mais rápido do que notícias verdadeiras.
Em Culpo sim o ‘bolsonarismo’ pela tragédia em Blumenau – e recomendo a leitura porque, para além de minha análise, tem a orientação de especialistas – escrevi: “Não há, nacional ou internacionalmente, pesquisa que mostre que mais armas contém a violência, seja na mão de militares ou civis, policiais ou não. Desafio que me mostrem uma sequer”.
Em outro trecho: “Nem entro no que reputo ingenuidade política – neste momento, acreditando na boa fé de todos, não denunciarei delinquência intelectual ou caça-cliques de tragédias – em políticos venderem a ilusão de que seria possível colocar policiais ou vigilantes em cada escola; em Gravataí, por exemplo, seria preciso usar todo o 17º Batalhão da Brigada”.
E ainda: “Com base na ciência, na ‘ideologia dos números’, apenas apelo por menos armas, por menos ódio, menos odes a torturadores do passado, menos tiros fáceis nas minorias e maiorias frágeis, menos descrença com as instituições e por nunca mais ‘8 de janeiros’, que exacerbam um direito à liberdade de invisibilizar o outro”.
Ao fim, renovo o apelo: desistam da manifestação pública e aproveitem o dia para conversar dentro de casa com seus filhos, papais e mamães. O medo instiga soluções fáceis para problemas difíceis.
Vilão por vilão, enfrente primeiro aquele que aparece no espelho, mesmo que de soslaio.