O guri e a lua cheia

O guri era cheio de méritos. Morava num lugarejo entre montanhas. Seu nome: medo. Seu foco: nada. Assim, no sítio, colhendo laranjas, ele se aproximava dos visitantes. Ali morava um homem, mas, olhando profundamente, via-se nele apenas um guri. Confuso, inteligente, brigão, emocionalmente sofrido.

Numa noite, cheio de álcool e boêmia, fugiu de tudo. Sumiu. Desligou o celular e desapareceu numa rua escura da Azenha. Estaria estressado na urbanidade, bem distante de seu habitat natural? Ninguém sabia.

Foi localizado num bar, com um violão a tiracolo e uma composição na cabeça.  Ele não queria conversar com ninguém. Queria tocar. Queria compor. A música estava embaralhada em sua cabeça alcoolizada.

Ele não queria mais a namorada, nem seu garantido emprego numa agencia bancária ao pé da montanha. Nada mais o interessava. A não ser aquela guria que mexia com os pensamentos dele. Ela era da Capital, de pais misturados: alemão e português. Uma noite de bebedeira em Porto Alegre, no bar que eles frequentavam, ela deu um adeusinho a ele. Foi o que bastou para ele se considerar um homem infeliz. Mas ele ainda não era um homem. Era só um guri.

O verão chegou. Para barbarizar, trocou o violão pela prancha de surf. Fazia bonito. Nas manhas de sol intenso, saía sozinho da casa de praia e rumava para as ondas. Com o mar batendo em suas têmporas, se embriagava de água salgada.

E foi assim, lambendo literalmente as ondas, que ele resolveu morar definitivamente no litoral. As montanhas foram esquecidas. Ele agora, só pensava em visitar a Plataforma de Atlântida e se reciclar com os amantes do mar. Entre eles, pescadores e surfistas.

O guri era muito esperto. Agora adquirira também uma pele cor de canela. Com os olhos claros, chamava a atenção. As moças da praia encantaram-se com ele. O consideravam exótico. Algumas perguntavam até se era estrangeiro. Alto e com aqueles olhos expressivos, seria fácil encontrar nova namorada que não fosse tão ciumenta como a portoalegrense, e que não discutisse tanto por banalidades.

 Foi de surf em surf que ele surtou com uma moça de Santa Catarina. Chamava-se Cristina, de cabelo curto e dona de um sorriso que o embriagou. Ela também resolveu mudar de cidade. Na praia, os dois encontraram um point para beber e conversar. E viver mansamente também. Ao sabor da poesia, da música, da literatura e de novas possíveis, amizades. Embalados, talvez, por uma nostalgia duma época esquecida.

Aí, de papo em papo, surgiu novo tema poético. Que ele eternizou numa composição dedicada à nova namorada. A iluminação colorida do pub litorâneo foi testemunha da empolgação do casal. Para ela, a música selou o namoro. Nos versos, palavras de amor. A composição, em seu quase esquecido violão, abrilhantou a noite. Com exclusividade, foi o marco de um divertido e novo relacionamento. Desta vez, sem medo.

Com foco e seriedade. Sentados à beira-mar apreciaram a música e a lua. Que coloria, em sua fase cheia, até as ondas do mar. Estaria o guri apaixonado? Ou enlouquecido com os fluídos energéticos da lua cheia?

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Compartilhe esta notícia:

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade

Facebook