O the end da carreira do Mathias

por Leandro Melo

São 16h18min e a terceira cadeira na fileira da parede está vazia há pelo menos 160 minutos. Tornou-se comum nos últimos meses, mas o estranho é que, só agora, começou a soar estranho.

Aquele é o lugar do Mathias, arte-finalista que é praticamente o chefe de mais 12 pessoas em função igual a dele. Ele é o único que se reporta diretamente ao diretor de criação e é responsável pelo cronograma da equipe.

É um jeito das antigas que perdura e ainda dá certo na agência. Uma excentricidade administrativa do cabeça do lugar que está no ramo da Publicidade desde quando um anúncio de cigarros garantia o bônus de Natal dos funcionários.

– Onde está o Mati? Perguntou o diretor de criação, acompanhado do Redator Chefe, ao primeiro criativo de crachá que passava.

– Não sei não. Deve estar no almoço.

Devia ser a quarta vez naquela semana e a resposta era a mesma. Em dias e horários diferentes, mas com o mesmo roteiro.

Os bilhetes amarelos auto-adesivos amontoavam-se na tela do computador, o que chamava atenção naquele desktop impecavelmente organizado para destacar os seis prêmios recebidos ao longo da carreira..

Naquele dia, porém, minutos depois, Mathias cruzou pelos colegas, impávido, ostentando a calvície e a bolsa a tiracolo como partes de uma armadura. Era um cavaleiro da edição de imagem rumo ao seu alazão. Mas antes de tomar assento respondeu ao chefe:

– Estava no cinema.

– Não posso crer! Precisamos falar do novo cliente, os trabalhos da equipe estão atrasados, te procuro há dias e tu nunca estás. Só falta dizeres que também estavas no cinema?

– Não, ontem fui ver meus pais, mas anteontem sim, fui ao cinema!

Ninguém mais trabalhava no departamento. Olhos esbugalhados esperavam pelo desfecho da trama.

– Vamos conversar na minha sala. Isso está muito estranho! Disse o diretor.

– Eu gostaria, mas tenho um compromisso em algumas horas. Então, não poderei. Mas veja os planos e sugestões no seu e-mail. Enviei no caminho pra cá! Deve funcionar. Os esboços estão nos anexos.

E como entrou, saiu. Sem olhar para trás, buscando apenas o seu lugar.

O Deus Ex Machina o aguardava com o motor ligado e o ar-condicionado bombando. Em instantes o Honda Fit vermelho tornou-se miragem no asfalto em brasa da Av. Ipiranga.

O Mathias era só romance. Nada mais importava, apenas os momentos ao lado do novo amor que conhecera numa sessão de pré-estreia. Do mundo do cinema, para a vida real. Nem se importava que, no mundo do trabalho, a carreira chegava ao The End.

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