Os rostos e as famílias ignoradas: Viamão tem 101 vidas levadas pela COVID-19, enquanto seu povo e seus governantes fingem não ver

Pedro, Maria, Adélio, Janaína, Tatiana, Nereu, José, Valdir. Sorrisos que partiram sem aviso, abraços que não se repetirão… nomes, memórias que precisam ser respeitadas.

Nesta quarta-feira (12), Viamão ultrapassa oficialmente uma centena de vidas perdidas para a COVID-19. Hoje, listar uma por uma das vítimas do coronavírus seria o melhor modo de dar rostos à frieza dos números, trazer para a realidade coletiva a dimensão da tragédia que tirou, até aqui, 101 pessoas de suas famílias, que abreviou convivências e arruinou possibilidades.

Mas não será possível. Por hora, dor e inconformismo manterão o luto no anonimato.

Entendo e respeito a posição das famílias. Contudo, a vergonha tinha que partir do outro lado. Enquanto quem não tem culpa sofre em silêncio, negacionistas e inconsequentes desfilam egoísmo pela cidade. É assim desde a primeira morte, em 11 de maio. E digo, com tristeza, que ruas, parques e gabinetes políticos mostram que o descaso com o vírus é o mesmo três meses e 100 óbitos depois.

A ignorância (no sentido de desconhecer) e o poder econômico são incansáveis e explorados com maestria. Até mesmo o mais bem intencionado sucumbe. Enquanto reproduzem o discurso de que “todos os devidos cuidados estão sendo adotados”, a pressão pelo lucro aumenta. Nos bastidores, os cidadãos de bem, pais de família e bons moços barganham vidas. Sim, é isso que fazem ao dizer que não há como evitar a evolução do contágio e que seus negócios não podem morrer; Ao usar os empregos e a influência de seus impostos como desculpa. É a mensagem que deixam ao valer-se do aumento de vagas em hospitais como pura estratégia para reduzir indicadores e manter portas abertas.

Na Nova Zelândia, país exemplo no controle da infeção, quatro novos casos suspeitos nesta semana bastaram para mais um lockdown. Por aqui, em nenhum momento o confinamento obrigatório foi adotado. E no pior período do contágio, com mais de cem mil mortes, donos de shoppings dizem que “a população estava com saudade das lojas abertas”, o futebol volta com tudo e se fala no retorno das aulas.

Não tem importância se alguns milhares morrerem, as manchetes da TV agora só falam em empregos perdidos…. Morrer é do jogo, qualquer coisa é só fazer um minuto de silêncio antes de a bola rolar em cada partida.

Com “todos os devidos cuidados”, é claro!

A Imprensa não aguentou, os governadores não aguentaram e cidades como Viamão nem sequer fizeram força para manter seu povo em casa. Enquanto isso, os negacionistas aplaudem comprimidos de placebo goela abaixo e ozônio por via retal.

Nem dá para dizer que as máscaras caíram. Para muitos, elas nunca passaram do queixo.

Nesta quarta-feira de marca triste e dolorida, confesso o desânimo ao ver da falta de consciência da população. Dói ver tanta gente passeando, festejando, comprando, contaminando aos seus e aos que sequer conhecem. São três meses cobrando responsabilidade dos gestores, mostrando riscos, números, falta de bom senso e até de ética.

Há 93 dias, aponto a falta de transparência na divulgação das informações das mortes, reviso estatísticas e exponho a subnotificação de casos que é fruto de uma inconsequente falta de testagem. É angustiante ver que mais vidas se foram e muitas outras ainda irão enquanto tento gritar para uma multidão que escolheu ser surda.

Sinto-me sem voz.

Listar nomes, mostrar rostos dos que se foram e expor as dores dos que ficaram não é morbidez jornalística, tampouco é espalhar pânico como bradam os covidiotas de plantão. É uma cara tentativa de fazer os que ignoram os riscos (por desaviso ou convicção) entenderem que não adianta seguir protocolos de faz de conta. É mostrar que o vírus é real, que o querer é diferente de poder. É o recurso extremo para de mostrar que alguém bem perto pode estar chorando… talvez o último alerta que imagino ao meu alcance, antes de a COVID-19 entrar na sua casa.

Viamão, 12 de agosto de 2020 – Em memória das 101 vítimas do coronavírus oficialmente notificadas pelos órgãos de controle sanitários no município.

 

Números de uma guerra:

 

Brasil: 

– 3.164.785 confirmados (+ 55.155 nas últimas 24 horas)

– 104.201 mortes (+1.175 nas últimas 24 horas)

– 2.309.477 recuperados

– 751.107 em acompanhamento

 

Fonte: Ministério da Saúde 

 

Rio Grande do Sul:

– 92.560 confirmados (+2.789 em 477 municípios – 96% de 497 municípios) 

– 2.584 mortes (+ 44 nas últimas 24 horas)

– 9.404 hospitalizados

– 1.913 pacientes em leitos de UTI – de 2.466 disponíveis (77,6% de ocupação)

–  81.665 recuperados 

 – 8.311 em acompanhamento

 

Fonte: secretaria da Saúde do RS

 

Viamão:

– 759 casos

– 101 vidas perdidas  (4 nas últimas 24 horas)

– 223 recuperados

– 435 em acompanhamento

-365 suspeitos

 

Fonte: secretaria da Saúde de Viamão

 

Coeficientes de contágio:

 

Brasil:
1.506,0/100 mil habitantes

Rio Grande do Sul:
813,6/100 mil habitantes

Viamão: 
297,3/100 mil habitantes

 

Fontes: 

https://covid.saude.gov.br/

http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/

https://www.viamao.rs.gov.br/coronavirus

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Compartilhe esta notícia:

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade

Facebook