Precisamos falar sobre isso…

Essa é apenas a minha segunda coluna, mas tive um pouco de dificuldade em escolher sobre o que escrever. Como tenho liberdade para abordar o que eu quiser, procuro estabelecer temas que não sejam banais, que chamem a atenção e que proporcionem uma boa discussão. E a pergunta que eu fiz de quarta-feira para cá foi "o quê eu escrevo agora?".

Como quem tem amigos tem tudo, consultei algumas pessoas até para ter um pouco mais de noção do que as pessoas querem saber. Entre pedidos para eu contar mais sobre como foi o meu início de carreira no serviço público, as dificuldades de adaptação e os desafios que encontrei, um assunto se destacou: relacionamentos abusivos.

 

Repugnante

Não sou especialista no assunto e tampouco pretendo ensinar as pessoas como agirem com as outras, mas posso contar um pouco das minhas experiências nesse âmbito e esperar que vocês tirem uma lição disso. O tema é amplo e não se prende apenas no relacionamento amoroso, mesmo que esse talvez seja o que mais se destaca – principalmente por muitas vezes terminar em tragédias. O abuso existe em todo e qualquer tipo de relação, basta uma pequena observação para que seja percebido. De qualquer forma, quando olhamos mais a fundo, percebemos o quão repugnante o abuso pode ser.

Mas o que eu posso falar sobre isso? Bom, eu tenho um relacionamento amoroso que já dura sete anos, mas não é aqui que vou exemplificar a questão. Minha abordagem vai focar mais nas relações profissionais, que é uma área onde esse tipo de comportamento ocorre com mais frequência do que deveria. E por que eu consigo falar disso? Fácil responder, já sofri esse tipo de abuso e já presenciei alguns outros. Tanto que por ter sofrido, tive que ficar afastado por 30 dias do serviço, por ordens médicas, pois a pressão psicológica estava afetando o meu organismo como um todo.

 

Nem na sombra eu confiava

Eu tive essa terrível experiência há quase cinco anos. Não vou citar nomes de pessoas e tampouco do local envolvidos. Eu posso dizer que trabalhava com Deus e o Diabo ao mesmo tempo, mas levei um tempo para perceber isso. Deixe-me explicar: tratava-se de uma empresa familiar em que meus chefes nada menos eram do que marido e mulher.

Com meu chefe – que vamos tratar pelo pseudônimo de João – a relação era tranquila: ele sabia ordenar pedindo, te convencia o quanto era importante que determinada tarefa fosse desempenhada, mesmo que não fosse minha responsabilidade e sabia negociar dando dias de folga, a meu critério, principalmente quando o expediente de trabalho se estendia além das oito horas diárias. Por outro lado, a minha chefe – que vamos tratar pelo pseudônimo de Maria – era a figura oposta: sabia apenas ordenar, nunca estava satisfeita com o desempenho de nenhum de seus funcionários e vivia cuidando bem de perto o que cada um fazia no horário de serviço, sempre lembrando que "não se podia nem olhar o e-mail pessoal, mesmo no intervalo do almoço". Mas isso é o de menos.

O fato é que no início, quando fui trabalhar nessa empresa, não havia como perceber esse tipo de comportamento. Mas em menos de um mês ele tomou conta do dia-a-dia. Maria sempre queria saber como eu fazia as coisas e sempre dizia que não estava da melhor forma – a forma como ela queria, na verdade – e vivia atrasando a sua parte do serviço. E isso fazia com que eu, literalmente, me ferrasse. Por causa do atraso eu tinha que fazer horas extras e mesmo que eu ganhasse folgas, não conseguia aliviar a pressão de vencer prazos e metas. Imagine alguém fiscalizando o seu trabalho quase que oito horas diárias e nunca satisfeito com o que vê, cobrando mais qualidade e te dando responsabilidades que nem são suas? Talvez isso seja normal em alguns ambientes de trabalho, mas desde que parcialmente e se for feito com respeito ao funcionário. Cobranças existem e devem ser feitas, mas várias questões precisam ser analisadas antes de simplesmente se cobrar alguém. E o atraso… bem, por conta da falta de compromisso de minha chefe, uma vez tive que trabalhar por 27 horas seguidas, sem descanso, sem tirar uma soneca – mas pelo menos parando uns 30 minutos para poder comer alguma coisa.

Com a pressão toda que eu recebia por parte de Maria, só consegui me aliviar um pouco quando descobri que a empresa expandiria os negócios para outro Estado e que ela seria a responsável por essa expansão, o que significava que eu estaria fora da vista dela por uns tempos pelo menos.

 

Nem a distância alivia

Não durou nem três dias a minha alegria. A cobrança passou a ser feita por telefone e e-mail. Eu tinha que mandar tudo para ela avaliar e depois receber um caminhão de críticas como se fosse uma coisa normal. Comecei a ficar paranóico. Quando o telefone tocava eu tinha medo de atender e ouvir a voz da Maria do outro lado da linha. Mas mesmo que eu não atendesse, ela obviamente pediria para falar comigo.

Aqui quero fazer um parêntese: até agora sei que pareço um chorão, que só reclama por estar sendo cobrado para fazer um bom serviço. Mas o fato é que Maria nunca gostava do que nenhum de seus funcionários faziam, enquanto João achava que tudo estava sendo feito como deveria ser, com a qualidade e agilidade necessárias para entregar o produto final que prometia. E o problema maior era na maneira como ela cobrava. Acredito que se eu fosse uma pessoa depressiva, na época eu provavelmente me isolaria no quarto da minha casa e não iria querer ver a luz do dia. Pois nada do que alguém fazia era suficientemente razoável para ela.

E mesmo com Maria longe de mim, eu não conseguia focar no meu trabalho, ficava apenas pensando o que ela diria que estava ruim, o que tinha que melhorar, etc, etc, etc… mas ainda assim, com um pouco de paz, eu superava as expectativas de João: entregava as partes do material final quase sempre no mesmo dia em que me era passado e ainda recebia elogios do chefe. Para minha infeliz surpresa, sempre que se aproximava o prazo máximo para entrega do produto final, Maria retornava ao RS. Era só ela passar pela porta da empresa que eu simplesmente travava. Meu trabalho parava de render e um simples serviço acabava parecendo mais uma das doze tarefas de Hércules… um pesadelo só de lembrar.

Não aguentei muito tempo. Acho que quatro meses, para ser mais exato. Acabei ficando doente. Tomei muitos remédios, acreditem, pois meu fígado não funcionava como deveria – e depois um profissional da área disse que eu não tive hepatite, então não sei o que mais poderia ser se não a tensão e o nervosismo que sofria. Repousei bastante. E quando retornei ao serviço, levei comigo o pedido de demissão, pois não suportaria mais ficar ali. Na época me pareceu a melhor forma de superar a situação. E eu tinha recebido apoio em casa para tomar essa decisão.

Tem alguns outros fatos que tornam essa história ainda mais pesada e que contribuíram para que eu ficasse doente , mas não vou aprofundá-los aqui. Só o que vou dizer é que todos que trabalhavam na empresa sabiam que o relacionamento dos meus chefes não era nada agradável e que a situação era crítica.

 

Violência

Seja em qual for a área e o nível, de qualquer forma o abuso é algo violento. A única diferença é que uns aguentam mais que outros, alguns conseguem confrontar a situação, mas o que mais ocorre é o silêncio, pois muitas vezes nos sentimos fracos e incapazes de reverter a situação. E esse medo é até justificável: se uma pessoa sofre algum tipo de abuso é por que de alguma forma está ou se vê em condição inferior ao opressor. Mas essa não deve ser uma justificativa para aceitar o sofrimento ou simplesmente desistir de algo, seja uma profissão ou sua liberdade.

A verdade é que existem formas de se combater qualquer tipo de abuso, mas para isso o oprimido tem que realmente querer superar essa situação. E não é fácil. Numa relação amorosa, o principal pensamento é de medo: pela reação do opressor ou por perder aquela pessoa que ama, mesmo com o mal que ela lhe faz. No trabalho, por exemplo, o medo é de ser demitido ou pelo menos de ter muitas dificuldades no desenvolvimento de sua carreira.

Ainda hoje, diariamente vemos casos de abuso, assédio moral, por pessoas que tem um poder de decisão maior do que aqueles que o cercam e, por conta dessa vantagem, tiram proveito dos outros de forma injusta e violenta – por que a pressão psicológica pode ser tão ou mais violenta do que a física, pois deixa cicatrizes que não podemos ver, mas marcam as pessoas por toda a vida.

               

Por fim…

A melhor forma para acabar com os abusos é buscar ajuda. E para cada caso existe uma saída, mesmo que aparentemente nós não consigamos vê-la. Mas sempre tem alguém que pode te fazer enxergar e te guiar para a solução, por mais difícil que seja. Não deixe de buscar ajuda. Acredito, também, que nesses casos não se pode ficar sozinho, que é preciso unir forças para combater um mal.

Hoje eu penso se não deveria ter feito diferente há quase cinco anos. Se eu deveria ter tomado alguma atitude mais direta com relação à Maria ou até mesmo ter tomado uma atitude sobre a relação entre ela e João. Essas são perguntas que não posso responder.

Mas o que eu espero é estar pronto para agir melhor da próxima vez – e me sinto assim. Todos podemos fazer alguma coisa, pela gente ou pelo próximo, só o que não podemos é calar diante desses casos.

 

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Sei que o texto de hoje foi extenso e que mesmo assim eu talvez não tenha chegado a um ponto sólido com o que escrevi. Mas acredito que esse é um sentimento difícil de transmitir – e certamente não desejo que ninguém passe pelo que passei nessa ocasião.

Acredito que atingi meu objetivo de contar uma história que fizesse refletir, mesmo que eu tenha omitido algumas situações que extrapolam à minha pessoa, pois dizem respeito a outros. Por isso, peço desculpas a vocês se alguns pontos não ficaram muito claros, mas preferi não expor ninguém com esse texto, incluindo a mim mesmo.

 

Segue abaixo alguns links que retratam um pouco mais sobre o tema em questão:

http://www.knowledgeatwharton.com.br/article/seu-local-de-trabalho-e-tenso-ou-toxico/

https://www.buzzfeed.com/florapaul/sinais-de-um-relacionamento-abusivo?utm_term=.cqzXOj7J8#.namYr49qN

http://reporterunesp.jor.br/psicologa-explica-relacionamentos-abusivos-o-que-e-e-como-lidar-com-essa-situacao/

http://www.mulheresbemresolvidas.com.br/relacionamento-abusivo-no-trabalho/

 

 

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