Saul Teixeira | O Inter de Fernandão e o ’xis bagunça’

Hoje em dia em não troco o pay per View por nada. Na infância e na adolescência, porém, fugia da frieza do sofá como o diabo foge da cruz. Foi assim que atravessei a rua, cumprimentei os presentes e tentei me acomodar numa cadeira de madeira. Meu pai preferiu ficar em casa. Autoriza o árbitro… começa o #TBT…

– Por favor, uma cerveja – solicitei.

O ritual ainda é o mesmo: uma loira de garrafa no primeiro tempo, outra no segundo. No intervalo é a hora de forrar o estômago: cachorro-quente ou ala minuta. Mas o xis bagunça, ou “xis tudo”, quase sempre é o dono absoluto do campinho. Um ouvido na TV, outro no Rádio, apesar do histórico delay.

– A Polar tem que patrocinar o Inter. Afinal, não sai daqui – comenta um dos presentes.

O dono do estabelecimento, colorado roxo, advertiu:

– Mais uma piadinha destas, e rua.

Risada geral!

A bandeira alvirrubra sobre a janela do trailer era apenas um dos tantos símbolos daquela “mágica” noite de 16 de agosto de 2006. Para os colorados, claro!

Jorge Wagner cobra a falta em curva. Rogério Ceni — com uma camiseta inédita e claramente provocativa em azul —, bate roupa. Fabiano Eller, sempre técnico, luta pela bola como se fosse um leão faminto. A gorducha cai nos pés do predestinado Fernando Lúcio da Costa, artilheiro da competição.

Festa no boteco!

– Desce uma rodada grátis pra todo mundo. Menos para o gremista – ordenou o colorado mais abastado do ambiente.

Olho para o lado, e um senhor de boné está de joelhos. Com as duas mãos erguidas para o teto, ele chora copiosamente. Seu filho repete o ritual, e ambos se abraçam naquele piso com cor de cimento, mas com jeito de Beira-Rio. É o que dizem, né?

Aquele time do Internacional, quando eu tinha 20 anos, foi o melhor que vi em atuação até hoje. Falo em individualidades. F9, Sóbis, Alex, Tinga, Bolívar, Índio, Eller… para terem ideia da qualidade do grupo, Pedro Iarley era opção no banco de reservas.

O adversário era ninguém menos que o então atual campeão do Mundo, o São Paulo. E o pior de tudo: Muricy Ramalho era o treinador. O explosivo comandante era o mentor intelectual do time colorado. Portanto, conhecia todo o repertório gaúcho, incluindo a migração para o 3-5-2 que entrou em campo naquela noite.

Meses antes, Muricy sagrou-se vice-campeão do Brasil pelo Inter. O campeonato tornou-se o maior roubo da história do futebol brasileiro até o presente momento. Dentro e fora de campo. “Retira a ação ou estará fora da Libertadores 2006”, ameaçou a entidade máxima do futebol planetário.

Fernando Chagas Carvalho Neto opta, então, pelo bom senso.

– Deus está reservando algo melhor para o Inter –  disse minha mãe, gremista de berço, mas àquela altura, torcendo para que os deuses da bola pudessem ajudar na futura reparação histórica.

– Parabéns ao campeão moral – ironizavam meu irmão e meu vizinho.

Voltando ao 16 de agosto de 2006…

Tinga acabava de ganhar a idolatria da outra metade do estado. F9 cabeceia, Ceni espalma. O capitão colorado encontra o camisa 7 “livre, leve e solto”. E… Feitooooooooooo! (Abraço, Paulo Brito! Embora a narração nacional tenha sido conduzida por Cléber Machado).

– Eu disse, ele é gremista – provoca o mesmo ‘piadista’ da cerveja, após o meia-direita ser expulso por erguer a camiseta.

Depois, o Internacional apenas resistiu. Terminou o jogo repleto de zagueiros e marcadores. Michel, o ‘bruxo’ de Abel Carlos da Silva Braga, era a alternativa de contragolpe. Clemer passou de vilão — após falhar no gol do novo empate (2×2) —, a herói, após cabeçada já no apagar das luzes. Final de jogo. Pago a conta, parabenizo os vencedores e volto à Teixeira’s House.

Mal entro no portão, e meu irmão chega da faculdade. Ele me cumprimenta e acelera o passo. Um conhecido nosso, de bicicleta, para e pergunta:

– Tem algum gremista aí?

Eu aponto para o meu irmão.

– Eu não te devo mais nada. Eu não te devo mais nada – sai ele, aos berros, pedalando e visivelmente embriagado.

Meu irmão dá de ombros e seu olhar responde por ele.

– Dessa aí eu tenho duas, sem falar em Tóquio” – pensa ele.

Sim! Eu leio pensamentos, “kkkk”.

– Vem aqui pagar a aposta – convoca o dono da lancheria, aos gritos.

A mensagem era endereçada ao meu vizinho, que também surgiu na frente da sua casa por um motivo qualquer. Dias depois fiquei sabendo do enredo:

– Se o Inter fosse campeão ele comeria um xis, aqui, com a camiseta do Fernandão – me conta o dono do estabelecimento.

Entro em casa e encontro Saul da Silveira Teixeira, meu pai, vulgo Saulzão.

– Foi sofrido, mas o Inter mereceu. Esse título já era para termos desde a época de Falcão – destacou, emocionado.

Imediatamente, lembrei de Milton Neves e suas sacadas geniais a cada domingo no comando do ‘Gol, o grande momento do Futebol’. Ele dizia mais ou menos assim: “Valdomiro recebe na ponta. Cruza. Dario ajeita e Falcão marca. O Inter era o melhor time do Mundo e ninguém falava nada”.

Fica tranquilo, Miltão. O domingo, 17 de dezembro, é logo ali…

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