Aquele 22 de julho de 2020 foi um lamentável epílogo. Consequência natural de uma série de acontecimentos que seguiram curso sem que ninguém interferisse. Dependendo do ponto de vista, a morte de Valdir Jorge Elias referenda, ou desafia, a terceira lei universal de Newton: a partida prematura do prefeito em exercício de Viamão, aos 66 anos, foi produzida por ação ou pela falta dela?
A reação, desejada ou não, todos conhecemos.
A tempestade política que devastou a Administração André Pacheco, em fevereiro de 2020, botou Russinho na cadeira tão desejada por ele. E é praticamente inegável que tal fato contribuiu para o desfecho trágico.
Primeiro elo fechado
Sem, aviso, do dia para a noite, Valdir Jorge Elias passou a comandar uma cidade abalada estruturalmente após a Operação Capital, a “Lava Jato de Viamão”. Russinho, que até então era mantido afastado de qualquer decisão administrativa, assumiu uma Prefeitura com a credibilidade abalada, e sem saber o que fazer.
– Não é segredo de ninguém. O próprio Diário de Viamão noticiou diversas vezes que o Russinho havia sido colocado numa mesa “debaixo de uma escada”. Ele não tinha ideia do que acontecia na Administração. Depois que assumiu, era praticamente conduzido, assinava o que davam para ele assinar, na confiança – afirma um vereador do município, que pediu para não ser identificado.
Fato é que Russo não teve tempo de tomar pé da gestão e de cara teve que lidar com a pandemia do Coronavírus. O então prefeito, sem experiência no Executivo, sofreu pressão política, econômica e eleitoral. Se viu em meio a interesses corporativos, partidários e pessoais. Não bastasse, foi emparedado pelo Ministério Público, que tentava desatar as denúncias de corrupção envolvendo o antecessor.
Acabou engolido pela cadeira.
Segundo elo
Nas investigações que envolvem acidentes aéreos, os especialistas buscam identificar o que chamam de elos fechados – a cadeia de fatos que resultam na queda. O segundo elo de Russinho foi selado quando ele precisou dividir atenção com a disputa eleitoral.
– Ele focou no que fazia de melhor: articulação política. Queria ser eleito prefeito nas urnas, e precisou disputar internamente a candidatura, e a buscar apoio fora do partido – recorda uma fonte ligada ao MDB, que também pediu para manter o nome em sigilo.
Nem Russinho, nem Sarico Moura, então presidente de honra da legenda, estão mais entre nós para confirmar ou negar. O que jornalisticamente é possível remontar deste período é que o prefeito em exercício botou o nome na rua e saiu em pré-campanha. Apesar da pandemia assustar o mundo, Russo conferiu e promoveu inauguração de obras, visitou apoiadores e ofereceu jantar para a nata da política local em luxuoso espaço de eventos da Velha Capital.
Mesmo sendo diabético e lidando com crises de pressão arterial.
O DV, na promoção do debate jornalístico que lhe competia, registrou parte dos fatos listados acima. Em março, aglomeração para lançamento da pré-candidatura. Em abril, o polêmico jantar com um comerciante famoso da cidade, no qual teve abraços e fotos sem máscara.
Nem o gabinete foi poupado. Em 9 de julho, a sede do poder Executivo viamonense recebeu um encontro eleitoral: Russinho e religiosos discutiram apoio. Ao fim da visita, fizeram orações pelo prefeito. Braços erguidos a centímetros dos rostos, máscaras frouxas ou penduradas em uma das orelhas, voz alta, mãos tocando a mesa, narizes para fora da proteção. Havia de tudo um pouco na equivocada cena divulgada em fotos oficiais da aglomeração.
Uma semana depois, Russinho foi internado com COVID-19.
Era o terceiro elo.
Encontro elitoral/religioso dias antes da internação é um dos símbolos trágicos da morte de Russinho – IMAGEM: Divulgação/PMV – Arquivo DV
Corrente
A corrente ficou completa quando a política forçou o prefeito a ficar no cargo.
– Ele já era o interino. Se se afastasse, a Prefeitura ficaria paralisada. E mudaria todo o cenário da eleição – destaca uma fonte ligada à Câmara de Vereadores na época e que pede para não ter o nome citado.
Sem André Pacheco, um eventual afastamento de Russinho forçaria a transmissão do cargo de prefeito ao presidente do Legislativo, que era Dilamar Jesus (PSB). Mas aí, ele não poderia concorrer a vereador.
– Ele (Dilamar) não queria de jeito nenhum. Estaria impedido de concorrer. Não dá para esquecer que era julho, e o primeiro afastamento do André ia só até agosto – lembra a fonte do DV.
Quem lembra dos acontecimentos após a morte de Russinho se põe a pensar. Fato é que mesmo internado, apesar das recomendações médicas, o prefeito seguiu trabalhando.
Enquanto teve forças, fez da UTI do Hospital Viamão uma extensão do “Palacinho”.
– Acredito que o momento e a forma como ele (Russinho) foi conduzido ao cargo de prefeito prejudicaram muito a saúde dele, que acabou por pegar COVID-19 – entende o ex-diretor administrativo da Prefeitura, Paulo Quintana, o Paloma.
– O pai gostava de trabalhar. Na última noite antes de ir para o hospital, ainda sem saber do resultado positivo para COVID-19, pedia que o ajudasse a respirar, para que pudesse ficar em casa – revela Bruna Elias, uma das filhas.
O contexto político de Viamão na semana em que Russinho ficou internado faz dessa uma trama suscetível para teorias – algumas conspiratórias.
E é o que vamos ver na próxima reportagem da série.
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