A aposentada de botinha chinesa

Foto: Ana Paula Fonseca/Divulgação

Se aqueles anos de dureza profissional sugavam suas forças intelectuais, a espera da aposentadoria exauria sua paciência. De um lado a propaganda oficial do Instituto Nacional do Seguro Social, dizendo que se aposentar era fácil. De outro lado, debates acalorados do governo dizendo que haveria mudanças na previdência. A realidade da dona Margarida era outra. Já passava dos 65 anos e estava literalmente falida. Sem dinheiro e sem emprego. Sua carteira profissional começava a cheirar mofo.

Esperou cinco longos anos para juntar a papelada da aposentadoria. Mas esta se distanciava dela a olhos vistos. Achava que seu histórico profissional estava travado no tal computador do INSS. Ou que, talvez, algum empregador esquecesse dela na hora de computar seus anos de contribuição. A espera era longa. Mas, enfim, após inúmeras madrugadas em filas atrás de senhas para as entrevistas, aposentou-se. Depois, ironicamente, pensou em fazer hidroginástica. Como uma compensação para a energia gasta.

Parecia que a aposentadoria rimava com exercícios na água. Espantaria o tédio e manteria seu corpo em forma. Em mentalizações continuava a pensar em preservar a saúde. Que, aliás, louvando Deus e sua genética, ela tinha. Para nadar, inclusive. Dona Margarida cuidava da alimentação, não tinha vícios e dormia cedo. Lépida e faceira, aguardou o dia do primeiro pagamento como aposentada.

O cartão magnético retirado no banco dias antes, era da cor branca. Assim como seu saldo bancário anterior. Uma fila tranquila e especial a aguardava. Sem empurra-empurra. Só para aposentados. Foi rapidinho. Num “tec-tec” o dinheiro foi surgindo, animando a dona Margarida. Ela pensava em sair dali direto para umas compras no shopping center mais próximo para tirar o atraso.

Sentaria num café, suspiraria e faria seu plano de voo. Ou, quem sabe, usaria o dinheiro para saldar dívidas. Adquiridas no tempo das vacas magras. Pela rua, avistou uma loja com bela vitrine de calçados. Amou tudo que viu. Tênis branquinhos e sapatilhas confortáveis. Mas a aposentadoria não era assim tão polpuda. A compra deveria ser mínima e bem planejada. Decidiu comprar apenas uma botinha. Que era forrada, com botão, um mimo.

Chegou em casa e com mais calma leu a etiqueta:”Made in China”. Conferiu o que ouvia falar nos debates no rádio e na televisão. “O mercado dos sapatos chineses invadiu o Rio Grande do Sul”. Compensa lá, descompensa aqui, dona Margarida queria ficar com os pés quentes. Pois de economia e mercado internacional, não entendia bem. E, agora, mais alegre do que nunca. Está quase entendendo a confusa e demorada aposentadoria do INSS. E desfilando em dias de outono, pela Rua da Praia, no centro de Porto Alegre, com suas insuperáveis e úteis, botinhas chinesas.

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