Na vida, não podemos voar, no sentido denotativo do verbo. Não podemos morrer de rir de verdade, e muito menos morrer de amor (que bom). Mas no sentido figurativo, ah, nesse lugar de significância existem tantas possibilidades! E o que é a escrita, senão essa chance preciosa de poder reinventar o verbo? Ser algo para além do limite, ser, muito mais do que qualquer fronteira gramatical impõem.
É que no sentido figurado das coisas, é possível alçar novos vôos e ainda assim continuar sendo pessoa e não ave. É possível viver um amor que mais parece um mar de rosas, sem nunca ter entrado de fato num mar cheio de rosas. É possível sentir que o coração está tal qual um espelho que foi derrubado no chão, todo em pedacinhos, sem nem mesmo ter deixado cair qualquer espelho ao chão.
O chato da vida prática é que tudo é muito literal. Burocracias são apenas burocracias, agências bancárias são realmente agências bancárias, filas são filas, e pessoas mal- educadas, bem… São realmente apenas pessoas mal-educadas! O que falta para agraciar o nosso cotidiano é essa figuração que é intrínseca nos olhos das crianças… Percebe?
É ver num pássaro, um mensageiro da liberdade e ver num ambulante feliz, um mensageiro do amor. O adulto vê as coisas como coisas, as crianças veem as coisas para além de coisas, e os apaixonados não veem nada, senão um ao outro. Nem tudo o que denota, realmente o é (com exceção das instituições bancárias e das filas quilométricas). A vida bem vivida, por certo, é uma vida vista através de uma ótica que deseja figurar o literal. Para nada, para agraciar e só. Para viver melhor e só. Sem fins lucrativos. Pois isso, é coisa para os bancos!