O clima naquela tarde estava quente. Era novembro. Gente civilizada num bairro chique da cidade lotava o supermercado. Carrinhos de compras para lá, carrinhos para cá. De repente, próximo da balança para pesar hortifrúti, surge uma senhora elegante. Delicadamente, se coloca em frente ao balcão. No seu carrinho, frutas: mamão, bananas e uvas. A funcionária do super colava as etiquetas nos produtos, enquanto a senhora requintada ajeitava sua bolsa ovalada e de grife dentro do carrinho.
Remexeu-a e retirou uma lupa. Disse ela, num sussurro solitário: “meu problema é maior do que a simples necessidade de usar óculos”. Intrigou-me aquela lupa. Por que não usava óculos de leitura se o problema era oftalmológico? Sem explicar mais nada, afastou-se. Dentro do supermercado, mais adiante, confessou que consumia leite semidesnatado e gostava de uma tal manteiga de nome “Aviação”. Depois de pagar suas compras, já na fila do táxi, irritou-se com uma moça que, “estilo leva vantagem”, tentou passar à sua frente.
“Este é o país em que vivemos”, sentenciou ela. Sem deixar ninguém lhe roubar o direito de estar na fila, esperou calmamente seu táxi chegar. Educada, empunhando a lupa, disse que costumava fazer compras com seu filho, mas, naquele dia, estava só. Não disse por qual razão. Talvez o filho estivesse trabalhando ou viajando.
A senhora tinha boa aparência e possivelmente beirava os 75 anos. De coque e pulseiras de prata, parecia uma atriz francesa. Abriu a bolsa de grife e retirou uma carteira de cigarros. Com elegância, acendeu um. Tudo nela era glamouroso. Exceto o cigarro, que não combinava com o mundo de hoje, já bastante poluído com tanta fumaça.
Antes de embarcar no táxi, teve tempo para fumar e discutir as inquietações da vida. Deu uma grande baforada quando a condução chegou. Como uma dama, esperou o motorista abrir a porta. Olhou a todos ao seu redor, de forma enigmática. O carro partiu. A elegante senhora desapareceu na esquina, levando com ela histórias, compras e sua intrigante necessidade de usar lupa.