Irmã Gertrudes era membro educacional da escolinha. Bonachona e professora de música. As demais freiras se dividiam em outras disciplinas. Desde “Organização Social e Política do Brasil”, até a cadeira de “comportamento”. Pois “comportamento” naquela época era item importante do currículo escolar. Quem conquistava nota dez em comportamento recebia mérito escolar e virava um exemplo a ser seguido pela sua turma.
O piano da Irmã Gertrudes chamava a atenção. Ficava em uma sala de destaque na entrada da escola. Suas teclas, brancas e pretas, davam um ar cerimonioso ao instrumento.
Eu costumava chegar antes de todos à aula de música para admirá-lo. Não era um piano qualquer. Era vistoso. Depois, delicadamente, corria os olhos e as mãos em seu teclado com o meu costumeiro “dó, ré, mi”.
“Dó, ré mi””, “Dó, ré, mi”… e não saía disso. O silêncio da sala contrastava com o som do piano. Mas eu insistia no “dó, ré, mi”. Só pelo prazer que o som proporcionava.
Eu navegava naquelas partituras. Como se fosse realmente uma concertista e estivesse tocando num palácio para uma seleta e atenta plateia. Meus dedos não eram longos. Não eram de pianista. Então, continuava no meu “dó, ré, mi”, até a Irmã Gertrudes chegar dando início à aula.
Nas datas festivas da escola havia concertos para pais e alunos. Toda manifestação artística era apreciada. Destaque para os finais do ano letivo e depois no início das aulas. O piano da Irmã Gertrudes era peça fundamental. Dava um ar sofisticado ao ambiente. Na época, “pianos” faziam parte da aristocracia. E estudar piano era uma dádiva.
Muitos alunos saíam destes encontros musicais estimulados a seguir carreira como concertistas. A professora expunha acordes, partituras e citava os grandes pianistas do mundo: Johann Sebastian Bach, Ludwig van Beethoven, Franz Liszt e Claude Debussy. As crianças amavam estes ensinamentos. Não raro, tentavam imitar os grandes mestres. Como Chopin por exemplo. Eu confesso: “nunca saí do dó, ré, mi”, mas o piano da Irmã Gertrudes marcou minha infância naquela escolinha, tão simples, mas que escondia a sofisticação daquele instrumento mágico.