Ana D`Avila | Os revoltados

A Universidade fervilhava de cérebros pensantes. Aquela essência de conhecimento me excitava. Conhecer, aprender, estudar até a exaustão era meu lema. Minha turma se concentrava na Faculdade de Comunicação Social, a caminho do diploma de jornalista. Eu era uma dessas almas. Inquietas e observadoras.

Havia interesse em todos de evoluir intelectualmente. Alguns eram revoltados com a política vigente: ditadura militar. Se reuniam no Centro Acadêmico Arlindo Pasqualini trocando ideias. Eu não frequentava esta sala. Ficava lendo, inquieta, só na observação, o que me dava imenso prazer. Meus poetas me bastavam. Embora alguns, como Pablo Neruda, tinham uma posição política bem definida. Foi até Senador no Chile, tendo como ideologia o socialismo.

A faculdade mantinha um jornal impresso, onde os estudantes davam asas à imaginação. Havia conteúdo político. Alguns escreviam autênticos tratados sobre a libertação e a revolução. Eu não. Peixe fora d´agua, era uma apaixonada pelas poesias de Edgar Allan Poe e Fernando Pessoa. Eu fazia parte do lírico, das jornalistas apaixonadas que veem no amor a única saída para a escravidão moral, funcional e cívica.

Depois escrevia poemas de amor com a leveza de quem nunca foi oprimida. Um dia, num ataque de fúria, às vésperas de transformar aquilo tudo num livro, incinerei-os. Aos olhos estupefatos da minha mãe, que adorava a candura daqueles meus textos. Nas ruas, a violência campeava. E o nome Leonel Brizola era proibido em todas as áreas da sociedade.

Nas minhas leituras não faltava a filosofia, que de certa forma parecia com a poesia. Com mais inquietações. E encantava e sossegava minha mente, atônita com a violência. Eu não entendia como alguém podia torturar outro alguém por fatos banais, e outros nem tanto, mas que deveriam ser perdoados. Sempre via o lado bom das pessoas. A tortura até a morte era incompreensível para mim.

Qualquer ato de violência era estupidez humana. Eu condenava. Neste centro acadêmico das reuniões políticas existia uma eletrolinha antiga que os estudantes usavam nos dias festivos. Os famosos LP´s eram trocados e usualmente tocados. Era o meu orgasmo. A delicadeza que eu necessitava.

Quando o bate-boca político acabava, eu me deliciava escutando ali dos Beatles a Roberto Carlos, segundo alguns, um cara limitado. Particularmente acho que quem tem amor como bandeira não pode ser limitado. Os revoltados ouviam Caetano Veloso, Maria Bethânia e Chico Buarque.

Não era uma alienada, apenas mantinha distância dos revoltados, que eram muitos. Alguns até seguiram carreira na política e desistiram do Jornalismo. Eu não. Continuei apaixonada pelas pessoas boas, pela vida e festas. Sempre farei poesia e escreverei levezas. Não desconhecendo Charles Chaplin, que afirmava que um dia sem risadas é um dia perdido em nossa existência.

Não que não existam políticos bons. Existem. Não que a discussão política não seja produtiva. Ela é. Mas tirando Leonel Brizola, conheci poucos que desejaram realmente o bem do País e que acreditaram e fizeram pela educação brasileira, fato que nos salvaria da ignorância, da mediocridade e nos devolveria a dignidade de um povo. Esse povo brasileiro, decantado pelo antropólogo Darcy Ribeiro como mestiço. 

Enquanto meus colegas da Universidade saudavam Karl Marx, eu saudava o amor. O amor incondicional que une a raça humana, hoje tão sofrida por ter desconhecido a fraternidade. E a razão primeira da nossa existência.

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