por Marcelo Godoy
Certa vez, um antropólogo propôs um jogo para as crianças de uma tribo africana. Ele colocou uma cesta cheia de frutas perto de uma árvore e disse às crianças que quem conseguisse chegar lá primeiro ganharia todas as frutas. No entanto, quando ele disse para as crianças correrem, elas pegaram as mãos umas das outras e correram juntas. Então sentaram-se juntas e dividiram as frutas. Quando ele perguntou por que elas correram juntas, ao passo que uma delas poderia ter ficado com todas as frutas, as crianças responderam: “Ubuntu! Como um de nós pode ser feliz se todos os outros estão tristes?”.
Essa linda história não reflete os dias atuais em nossa sociedade, somos sempre encorajados a chegar na frente, mesmo que isto signifique passar os outros para trás.
O Ubuntu Viamão no dia 11 de julho reuniu a juventude negra e um dos temas debatidos foi a questão de cotas em nossas universidades, Surgidas na Índia na década de 1930, as cotas raciais são consideradas, pelo conceito original, uma forma de ação afirmativa para reverter o racismo histórico contra determinadas castas ou etnias ou raças.
Dado que a Igualdade Formal não é capaz de dar, a indivíduos desprivilegiado, as mesmas oportunidades ofertadas aos mais privilegiados, se faz necessária a adoção do conceito da Igualdade Material, com base no qual se institui instrumentos de promoção social e jurídica de modo que se potencialize a isonomia entre os indivíduos e não simplesmente a equivalência sendo a primeira entendida como equivalência apenas entre aqueles que se encontram na mesma situação. Assim, critérios discriminatórios se mostram legítimos permitindo distinções entre pessoas e situações de forma a produzirem tratamentos jurídicos diversos.
É neste último conceito, a Igualdade Material, que se baseiam tanto as discriminações positivas quanto a ações afirmativas, dentre as quais o regime de cotas raciais.
A primeira proposta de implantação de um sistema de cotas raciais no Brasil foi apresentada em 17 de novembro de 1999, durante a Semana da Consciência Negra, na Biblioteca Central da Universidade de Brasília por Rita Segato e José Jorge de Carvalho que viria a ser aprovada em 2003 e finalmente implantada em 2004.
A Conferência de Durban provocou mudanças importantes em políticas públicas brasileiras relacionadas à questão racial, dentre elas a adoção do critério de autodeclaração de cor/raça no Censo do IBGE, a implantação do Estatuto da Igualdade Racial e outras legislações voltadas à erradicação do preconceito, dentre elas, as relacionadas aos sistemas de cotas.
A justificativa para o sistema de cotas é que grupos específicos, em razão do processo histórico depreciativo, tiveram menores mobilidade social e oportunidades educacionais ou no mercado de trabalho, bem como foram vítimas de discriminações nas suas interações com a sociedade. Ubuntu, como um de nós pode ser feliz se todos os outros estão tristes?
Apesar de únicos, em nossas diferenças, somos todos iguais
“Dentro da noite que me rodeia negra como um poço de lado a lado
Eu agradeço aos deuses que existem por minha alma indomável
Nas garras cruéis da circunstância eu não tremo ou me desespero
Sob os duros golpes da sorte minha cabeça sangra, mas não se curva
Além deste lugar de raiva e choro paira somente o horror da sombra
E ainda assim a ameaça do tempo vai me encontrar e deve me achar destemido Não importa se o portão é estreito
Não importa o tamanho do castigo
Eu sou dono do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma”
Invictus – poema de William Ernest Henley