As crianças e as fadas

Em outra ocasião, comecei o texto dizendo que o ser humano é um ser de histórias. Histórias de nós mesmos e histórias da vida nos interpelam o tempo todo. Sabe-se que os contos de fadas não foram escritos originalmente para crianças, mas ao longo do tempo muitas adaptações foram sendo realizadas que acabaram por os tornar de fundamental importância para os pequenos.

A infância é uma fase fundamental do ciclo vital, uma vez que nela ocorre o processo inicial da estruturação do psiquismo e se constituem os recursos para enfrentar as demandas da vida. Durante sua trajetória, a criança depara-se com momentos intensos e críticos que ela deve enfrentar para chegar a adolescência e, depois, à idade adulta.  

Toda criança está sujeita a sentimentos hostis, de isolamento, desamparo ou solidão, com frequência experimentados de forma muito intensa. Na maioria das vezes esses sentimentos colocam a criança em uma posição incapaz de representar ou expressá-los  em palavras e surge então os medos de escuro, de algum animal ou situação.

Os contos de fadas caracterizam-se por colocar esses dilemas existenciais de forma breve e categórica. A possibilidade de projeção dos aspectos inconscientes relaciona-se à distância temporal possível por parte da criança, através do “era uma vez” e pelos personagens possuírem a característica de “essencialmente simbólicos” e geralmente fixos, uma vez que não mudam no decorrer da história. Isto garante que os conflitos vividos pelos personagens estejam, aparentemente, muito distantes daqueles experimentados pelas crianças. Há ainda a questão relativa ao “final feliz”, que alivia o Eu infantil através da reparação das perdas que o herói experimentou. O conto de fadas é apresentado de modo tão simples que até a menor das crianças são capazes de se relacionarem com a história.

Além disso, as narrativas presentes nos contos de fadas possibilitam às crianças de diferentes contextos sociais, políticos e econômicos possam dar vazão à sua imaginação, ao mesmo tempo em que viabilizam um canal de aproximação com as temáticas do mundo real e os habitantes do mundo infantil. Cada conto de fadas é um espelho mágico que reflete algum aspecto do mundo infantil e conduz os pequenos da imaturidade a maturidade.

Frozen (2014) é um exemplo de como os contos modernos são capazes de envolver as crianças com uma narrativa simples que ao mesmo tempo é tradicional e atual. As heroínas já não precisam mais serem salvas pelo príncipe e tampouco a realeza é uma garantia de bondade. Elsa e Anna são personagens que experimentam sentimentos de solidão, medo, coragem, amor, saudade e muito mais.

Os contos de fadas oferecem um enredo seguro, aonde o bem triunfa sobre o mal, o herói é o personagem mais interessante e o vilão sempre é punido, funcionando como um “ensaio”, uma antecipação das dificuldades que, mais cedo ou mais tarde, a criança terá que enfrentar.

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