Pensando nas possibilidades da vida ela repensou seu caminho. Era necessário uma conquista. Sair da passividade. Conectar-se com Deus. Fazer valer a existência. Já tinha percorrido caminhos demais. Se humilhado demais. Escutado demais. Espelhado-se demais. Agora se observava no próprio espelho. A bifurcação do sonho se encontrava com a realidade. O caminho já não tinha obstáculos. Tudo se desenhava à sua frente. De uma maneira inteligente e vertiginosa.
Já havia inventado tantos sonhos. Alguns não realizados. Já havia amanhecido tantos dias. Apreciado tantos sóis. Já havia conhecido lugares, pessoas e países. A vida valeria a pena? Já filosofara muito e mergulhara fundo no desconhecido. Nos côncavos da alma. Mas esquecia, às vezes, de olhar mais detalhadamente para as árvores. Para o tempo que passava. Para as ruínas que sobravam. Não observando a dinâmica por cima do chão. É na terra que tudo nasce, cresce e morre.
Desprovida de tudo. De bens materiais, inclusive. Começou a pensar no livro. No sonhado livro escrito e documentado para a posteridade. Mas o que reservará a posteridade? Além do esmalte verde em sua unha. Sua mísera conta bancária. Seu amor, seu filho e sua carreira sem sentido. Esquecia quem realmente era. Perdia a identidade. Não o rumo.
Na cozinha, olhando a cafeteira e o relógio de parede,resolveu escrever. Escrevendo revelaria sua verdade. Toda escrita tem um pouco de psicanálise. Agora requentava o leite no fogão. Café preto não faz muito bem a saúde. E misturou também sua estória naquele novembro atípico. Ar diferente, mesclando frio e calor. Transbordando numa atmosfera inquieta. Foi percebendo um sabor mais autêntico no café. E percorrendo a delícia de uma vida jamais imaginada. Pois viver é se encontrar.
De que adianta um caminho sem direção. Estava consciente agora, já avistava um caminho. Movida pela imensa curiosidade que a caracterizava. E pela satisfação que a escrita lhe dava. Agora é viver. É escrever. Saborear a matéria-prima revelada pelo silêncio. E escrever até a exaustão.