Coluna do Gustavo | A pior guerra

Meu vizinho e eu nunca mais nos falamos. Ele tem o dobro da minha idade e costumávamos ter breves conversas de elevador, mas seu pensamento ultrapassado e preconceituoso me levou a confrontá-lo e, por isso, a desagradá-lo. Depois de discursar sobre mulheres, negros, gays e pobres, ele falou que queria ver qual de nossas gerações chegaria melhor na velhice, “porque essa é uma bagunça liberal e tudo é misturado e não conseguiu nada de expressivo e antes tudo era melhor.”

Ele insistiu em defender seu ponto de vista, o qual eu contrapus respondendo às provocações. Quando ele perguntou se eu sempre teria uma resposta pronta pra tudo, resolvi ficar quieto. Com um sorriso malicioso, ele disse que finalmente havia conseguido calar minha boca. Eu respondi que entre fazer comentários machistas, racistas, homofóbicos e elitistas, prefiro fazer silêncio. Ofendido, quase declarou guerra contra mim. Em minha defesa, se eu soubesse que ele queria calar minha boca, teria conseguido muito antes.

Guerras existem desde sempre. Das menores e mais simples, envolvendo aldeias primitivas lutando por recursos naturais, às enormes e complexas, cujos interesses podem ser claros ou obscuros e com capacidade de desestabilizar nações e economias do mundo. Além destas definições mais óbvias do que imaginamos ser um conflito armado, existem outros tipos de batalhas que foram travadas ao longo de todo desenvolvimento da civilização. Independente da época ou da proporção, para toda e qualquer disputa realizada, houve uma justificativa. Pode ter sido a mais absurda ou uma com total fundamento, mas sempre um motivo foi apresentado.

Quando a humanidade quer, encontra razões para criar desavenças entre os mais diversos grupos, separando-os pela diferença de sexo, classe social, etnia, religião, cultura, cor da pele, etc. Enfim, faz parte da nossa natureza nos juntarmos com os nossos e nos afastarmos de quem consideramos ser os outros. No curtíssimo espaço de tempo que chamo de minha vida, pude perceber, estudando o passado e projetando o futuro, o progresso vagaroso no sentido destas classificações serem consideradas, pouco a pouco, ultrapassadas.

O processo é lento e recaídas são constantes, mas no geral, com o avançar das gerações, se tornou mais claro perceber como muitas injustiças ocorreram por causa da inveja, sendo ela um dos principais fatores responsáveis pelo início de disputas. Como o invejoso carrega consigo a certeza de necessidade de compensação, seu julgamento é cheio de motivação equivocada e desprovido de bom senso. O resultado dessa mistura preocupa pela capacidade de realizações surpreendentes com intuito de obter vantagens em detrimento do prejuízo causado. As vezes, não é a fé que move montanhas, mas a inveja.

Partindo do princípio que sempre existiram conflitos, e procurando uma alternativa para a realidade onde eles sempre existirão, me questiono se haveria alguma possibilidade de encerrá-los por definitivo. Mais ou menos cheguei a uma conclusão. Penso só haver uma maneira. Precisamos terminar com a pior de todas as guerras. E não é a econômica, nem a de classes ou dos sexos, mas a das gerações. Por que esta é a pior de todas? Porque sempre haverá desentendimento entre as partes. Isso nunca vai mudar ou acabar. Uma geração substituirá a outra com novas ideias e ideais e para isso ocorrerá uma sobreposição.

É comum não entendermos direito e discordarmos dos nossos próprios colegas de colégio, de faculdade e de trabalho, com a mesma idade e classe social que nós, portanto, não podemos esperar que as gerações anteriores nos entendam, da mesma forma que não entenderemos as futuras. Por isso mesmo não é difícil encerrar esta guerra, basta aceitarmos que buscamos outras vidas e estamos dispostos a pagar outro preço. Aceitar que as gerações, da mesma forma que as tecnologias, as ambições, as preferências, as influências e os interesses; mudam. Somente quando aceitarmos as mudanças, elas poderão ocorrer de forma pacífica.

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