Coluna do Gustavo | A pirâmide do sonho

Gosto muito de conversar sobre sonhos. Tentar interpretá-los e achar algum significado naquela confusão de situações e emoções é um desafio divertido. Também acredito terem sempre algum sentido. Raras vezes a mensagem é bem clara, o normal é nosso subconsciente querer nos dizer algo de maneira difícil de entender. Mesmo assim, por mais que tenhamos dificuldade de entendê-los, não consigo aceitar um sonho não significar nada.

O maior problema para conseguirmos interpretar nossos sonhos é não lembrar deles direito quando acordamos. Podemos querer muito conversar com alguém sobre, mas a memória não permite a narrativa com detalhes que certamente ajudariam na interpretação. E pior ainda é quando sonhamos repetidas vezes a mesma coisa e mesmo assim, apesar de sabermos que aquele filme já passou pela nossa cabeça enquanto dormíamos, não conseguimos nos lembrar dos acontecimentos de forma precisa.

Eu tinha um desse tipo. De tempos em tempos se repetia e cada vez ficava mais confuso. Como todo bom sonho deve ser, era muito estranho. Enquanto eu tomava café da manhã, tentava juntar as peças e colocá-las em ordem, mas tudo que lembrava era de estar em um ônibus olhando pela janela. O motorista manobrava mal para estacionar e eu ficava muito tenso. Depois disso, piorava. Por algum motivo, eu via uns macacos e os achava tristes. Não sabia por quê. Também tinha uma vaca. Ela não estava triste. Só lembro de, no final, minha tensão ser tão grande a ponto de me acordar. Eu disse que era estranho.

Incomodado por não saber o que fazer, fiz o que faço quando não sei o que fazer. Fui falar com meu pai. Porque os pais sabem. Ele me deu uma dica valiosa. Disse que quando terminamos de sonhar, é comum darmos uma leve acordada. Sabe aquele momento quando percebemos que não passava de um sonho? Nosso hábito mais comum nessa hora é relaxar e voltar a dormir, e aí está o erro. Neste breve instante pós-sonho, antes de adormecer de novo, devemos tentar repassá-lo na nossa cabeça. É a forma de tentar gravá-lo na consciência, para quando acordarmos em definitivo, conseguirmos lembrar de algo mais além das confusões experienciadas dormindo.

Comigo sempre funciona. Funcionou desde a primeira vez, quando repassei todo este repetitivo sonho esquisito logo depois de acordar e percebi exatamente do que se tratava. Nele, eu estou em um ônibus executivo, em uma estrada intermunicipal bem asfaltada, lisa como gelo. O motorista diminui bastante a velocidade e vai para o acostamento. Nesta hora eu olho pela janela e vejo uns oito ou dez macacos à sombra de uma bananeira. Eles se juntam e se abraçam e se soltam e trocam de lugar e se abraçam de novo, sobem uns nos outros e começam a criar uma estrutura viva. Uma pirâmide.

Enquanto isso, uma vaca, sem fazer muita coisa, apenas ali, bovinando, observa a cena, se interessa no processo e no progresso deles e decide se aproximar naquele ritmo vagaroso. Também em ritmo lento, o motorista do ônibus decide sair do acostamento, avançando para fora da estrada em rota de colisão com os animais. Meu espanto com a manobra só não é maior do que meu espanto com a atitude da vaca, que começa a escalar a pirâmide de macacos. Ela enfia os cascos na cara deles enquanto eles a ajudam a subir em direção ao cacho de bananas solitário no topo da bananeira.

Fico tenso dentro do ônibus e percebo que estou fazendo força como se isso fosse ajudar a freia-lo, mas não adianta. Mesmo bem devagar,  sei que ele vai bater e derrubar os macacos e a vaca e a bananeira, mas antes disso, eu acordo. Nunca mais vou esquecer este sonho. Também nunca precisei conversar com ninguém para entendê-lo. Quando consegui lembrar a ordem dos acontecimentos, por mais estranhos que pudessem ser, captei a mensagem do meu subconsciente. Quem também a entendeu apenas com o meu relato, ou é muito bom na interpretação, ou talvez deva se preocupar. Quem não entendeu, tudo bem.

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