Coluna do Gustavo: Carta para meus filhos #03

Meus filhos, vocês precisam saber que nem todas as famílias são abençoadas como a nossa. E não me refiro ao fato de não enfrentarmos privações financeiras. Tampouco porque moramos em um país e em uma época cujo modelo econômico adotado nos permite ser livres para buscar o que queremos. Me refiro a sermos uma família constituída por filhos de ambos os sexos e com avó e avô vivos.

Meus pais, por exemplo, tiveram apenas filhos homens, nunca podendo desfrutar as experiências maravilhosas que apenas uma menina traz para um lar. Sempre pensei que eles mereciam uma filha, meu pai para amolecer o coração dele e minha mãe para endurecer um pouco o dela. Tenho certeza que o avô de vocês, se tivesse segurado uma menininha no colo ao invés de mim, se derreteria todo e sua vida teria ficado mais leve de imediato. Exatamente como ficou quando ele segurou você, minha filha, com trinta anos de atraso.

Já sua avó, quando conheceu cada um de vocês, já era feita de manteiga por ter mimado de todas as formas possíveis a mim e ao seu tio. Uma filha daria a ela oportunidade para desenvolver mais o exemplo a ser seguido, não tanto o do que buscar. Isso a deixaria mais tranquila para se colocar em primeiro lugar e não fazer tudo ao seu alcance para conseguir algo que entendia nos trazer felicidade. Sua avó, que nem a mãe dela e a de vocês, também sempre foi muito mais sensível aos sentimentos, ao contrário de mim, porque para isso é preciso ser mãe, porque mãe é mãe e só as mães sabem.

Deixando os clichês de lado, mais velho eu imaginava o dia em que ela, por ficar entretida com suas coisas, esqueceria de fazer a janta, por exemplo. Ou de comprar algo no supermercado da nossa lista super específica. Mas isso nunca aconteceu. Seu cérebro capaz de guardar muita informação, aliado ao interesse em trazer harmonia e conforto material e emocional para o lar, a permitia desempenhar funções sem limites. Uma verdadeira benção para todos nós ela fazer parte da família.

Falando em bençãos, a outra que eu tinha mencionado é termos presentes avó e avô. Já eu, nunca conheci nenhum de meus avôs, e quase posso ser definido literalmente como um guri de apartamento criado pela vó, não fosse pelo meu pai que sempre esteve disposto a me dar um choque de realidade e mostrar que a vida não era a barbada que a avó e a bisavó de vocês proporcionavam. Serei a vida toda grato a todos eles por me guiarem nessa mistura de amor incondicional e exigente de comportamento adequado.

Mas agora, meus queridos filhos, preciso explicar que o motivo pelo qual devemos agradecer a sorte de dispor de figuras paternas e maternas e filhos de ambos os sexos, é porque isso proporciona maior facilidade de entrosamento e contato humano. Contato humano dos nossos entes queridos é o maior tesouro que existe. Na época em que escrevo esta carta, nossa sociedade foi obrigada a perceber isso da pior forma possível ao enfrentar o chamado distanciamento social, nos fazendo sentir saudade o tempo todo. Sentir a dor da saudade. Hoje sei que posso passar o resto da vida sem nunca mais ir ao shopping e ao estádio de futebol, sem usar o carro todos os dias e sem reuniões de trabalho, sem me aglomerar de qualquer forma ou enfrentar filas.

E eu só aprendi isso quando percebi o que não consigo passar o resto da vida sem fazer, e isso é sentir o calor de quem quero perto. O aperto de mão estilizado que só eu e seu tio entendemos. O abraço firme e forte do meu pai. O abraço na minha avó, cada vez mais suave a medida que a idade aumenta. E o abraço da minha mãe. Abraço de mãe é a forma que o amor escolheu para se manifestar e lembrar a todos nós do que devemos realmente sentir falta. Lembrem-se, meus filhos, nem todas as famílias são abençoadas como a nossa.

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