Não há nenhuma dúvida sobre a vida ser feitas de momentos bons e ruins. Grande parte da diferença entre um e outro está nas pessoas com quem os desfrutamos ou enfrentamos. E de todas que podem dividi-los conosco, nenhuma será mais importante do que a família. A família é a base. É o porto seguro. Nada é mais reconfortante do que a garantia de poder voltar para o abraço familiar quando percebemos que estamos em algum lugar ou com alguém que não mais queremos.
Por isso, enfrentar uma pandemia sem poder confiar nesse conforto, ao qual nos habituamos a alcançar sem grande esforço ao longo de toda vida, provoca uma sensação de saudade em um nível mais elevado. A dor da saudade. O distanciamento social nos faz senti-la o tempo todo. Há nove meses não abraço e beijo meus pais. E também não sei quando vou ter o prazer da companhia do meu irmão de novo. A viagem dele de volta ao Brasil para passar conosco o final de ano precisou ser cancelada.
Muitas das nossas emoções, quando atingem um excesso, alteram nosso humor e a própria forma como encaramos os dias. É comum precisarmos lutar ainda mais para não cometer erros enquanto somos afetados por alguma sensação em grau superior daquele que estamos acostumados. São em momentos como estes que confundimos as coisas. Nosso cérebro tem uma necessidade natural de buscar soluções para algo que nos incomoda, e quando não encontra, inventa uma.
No caso de um vírus se espalhar pelo globo e mudar nossa maneira de viver, a vontade e a urgência de encontrar uma saída é forte a ponto de muitas confusões serem feitas. Entre as principais, está a possibilidade de confundirmos o vilão. Este é um hábito muito humano. Sempre que identificamos algo errado, buscamos o culpado. Precisamos desta definição para, considerando o caso encerrado, seguir com nossas vidas. O problema existe quando não percebemos que as vezes a simples transferência de responsabilidade não passa de uma atitude infantil.
Crianças fazem isso o tempo todo. Pedem para os pais qualquer coisa e se não ganham, projetam neles a culpa pela sua momentânea impossibilidade de satisfazer um desejo, confundida como infelicidade. Em casos mais exagerados, se mantida esta perspectiva de ser necessário inventar um responsável, no futuro, o culpado pode ser o policial e até mesmo o juiz. Reduzindo um pouco o drama, outras figuras com autoridade também são alvo de atribuição de culpa, como professores, diretores e chefes.
Mas nem todos os falsos vilões são símbolos autoritários. Da mesma forma, irmãos e irmãs podem competir por atenção e se sentirem falta dela, criando uma confusão na sua análise por causa das fortes emoções e por causa da imaturidade, sentem raiva ou inveja de quem, pelos laços de sangue, deveria ser seu maior companheiro. Achar um culpado apenas por não entender uma situação, transforma qualquer possível bom momento, que deveria ser desfrutado, em ruim. E se precisarmos enfrentá-lo sem poder contar com as pessoas cujo braço e abraço poderiam ser nossos suportes, tudo piora.
Para a pandemia, não consigo achar um culpado. Aquele chinês que parece que comeu um morcego? Os mercados onde são aglomerados animais silvestres? A cultura ou o sistema econômico? Não entendo nada sobre isso e não tenho necessidade de apontar um responsável. Descobrir ou inventar um vilão não vai ajudar ninguém a superar o distanciamento social. Deixar se levar pela forte emoção causada pela ausência de contato com os entes queridos só tem o poder de nos confundir, nos desestabilizar.