Antes do confinamento ser uma realidade para todos nós, escrevi um texto entitulado "O coronavírus e o Frankenstein". A ideia era trazer uma reflexão sobre como, diante de situações inusitadas e muito negativas, o resultado pode ser uma obra-prima ou um monstro, dependendo apenas de como vamos encará-las e quais serão nossas ações. Agora, após intermináveis dias de distanciamento social, minha preocupação está mais equilibrada.
Não creio mais tanto que, após esta pandemia, haverá algo de horrível nos esperando, tampouco que nos elevaremos a uma nova condição humana. Minha preocupação de verdade é esta situação toda enfrentada pelo mundo inteiro passar e voltarmos ao normal. Ou até mesmo a um novo normal, mais higiênico, mas nada além disso. Já pensou haver uma crise global, afetando a saúde e a economia de forma nunca antes vista, e após seu término nossa única mudança é resumida em álcool gel, sabão e máscara?
Tudo isso me lembrou a vida de uma ex-colega minha. Ela é advogada bem sucedida profissionalmente, mas na vida pessoal não há harmonia. Seu marido é sócio do escritório e não corresponde às expectativas do trabalho, pouco contribuindo com a renda familiar. Além disso, reclama que ela não tem tempo suficiente para ajudar com a criação dos dois filhos. De tanto ele insistir, contrataram uma advogada para auxiliá-los nas demandas. Passados alguns meses, com a funcionária ainda tentando se adaptar à rotina, ele repensa e começa a achar ela muito cara, pedindo que a demitam. Resumindo, dispensaram a jovem e voltaram à situação inicial, mas agora pararam de discutir tanto.
Mesmo se eu tentasse muito, não encontraria exemplo melhor para a parábola do bode na sala. Se você à desconhece, certamente não tem idade suficiente para fazer parte do grupo de risco do coronavírus. Até hoje lembro bem do meu pai contando, quando eu era muito jovem, a história de um casal com problemas e o marido resolve trazer um bode e o deixa no meio da sala. O animal faz barulho, sujeira e cheira mal. Depois de uma semana, se livram do bode e a ausência dele e de todos os empecilhos que o acompanhavam é suficiente para a a vida conjugal se tornar muito mais satisfatória e tranquila.
Com certeza teremos mudanças na sociedade quando tudo isso passar. Serão criados novos hábitos e jamais esqueceremos este ano. De qualquer forma, o mais importante ainda vai ser não deixarmos o Covid-19 se tornar um mero bode na sala. Já estou convencido de que não haverá nenhum colapso geral da humanidade, muito menos que atingiremos um patamar evolutivo nunca antes visto com melhorias em todas as áreas. Só não podemos permitir este tempo se tornar um simples intervalo entre o anterior com seus problemas e o futuro com os mesmos defeitos, apenas diluídos pelo fato de termos mais espaço na sala.