Nossa imersão no mundo digital avançou respeitando uma certa proporção à medida que a tecnologia foi desenvolvida. A cada nova geração de computadores, processadores e aplicativos, maiores são as horas que passamos conectados. Desde o início da era da informática, a migração do real para o virtual foi gradual, com o perdão da rima. Podemos também considerar essa mudança, por falta de palavra melhor; orgânica. Agora, com o perdão da ironia. Nossa vida se tornou mais artificial organicamente, com os mais novos nascendo dentro de uma sociedade cada vez mais dependente da tecnologia.
Contudo, diante da situação a qual estamos submetidos, confinados com uma janela para o mundo na palma da mão, há uma aceleração rumo ao digital em escala diferente. O principal motivo disso é que muita gente ainda não queria dar este passo, mas acabou atingida pela necessidade de se colocar em um lugar com o qual até então pouco se importava. Tenho certeza que seria uma bela trama para filmes ou livros. Provavelmente alguém já pensou nisso e está desenvolvendo uma série a respeito.
Mesmo assim, apesar dos quase inacreditáveis avanços tecnológicos e do empurrão dado pela pandemia, há uma previsão constante na ficção científica sobre realidade virtual que ainda não se concretizou: o avatar. O motivo é um apenas. Não existe uma única plataforma onde nos conectamos ao mundo virtual e de lá temos acesso a todo seu conteúdo. Existe o computador, vários videogames, inúmeros jogos, as redes sociais. Isso nos obriga como usuários a criar mais de um avatar, portanto, não há o avatar.
Enquanto não for desenvolvida a derradeira forma de acesso ao digital, onde as pessoas criarão a própria versão de si, podendo explorar simulações de universos sem demonstrar suas reais aparências ou emoções, precisaremos nos contentar com o personagem que criamos para viver no mundo real. Porque é isso mesmo que fazemos. Muito antes do coronavírus, já havia se tornado hábito colocarmos máscaras para sair às ruas, mas ao contrário das usadas atualmente, não serviam de filtro para nos manter saudáveis. Filtravam na verdade nossos reais sentimentos para que pudéssemos nos encaixar em papéis que julgávamos adequados para manter nossos clientes, empregos e relacionamentos.
No cenário atual, em função da pandemia, dependemos ainda mais da tecnologia para suprir necessidades reais e, quando inevitável, saímos de casa usando máscaras com objetivo de preservar a saúde. Quem sabe aproveitamos esse momento e usamos as maravilhas do mundo tecnológico apenas para o necessário e não para fugir do real? E já que estamos usando máscaras verdadeiras, podemos tirar a criada para esconder nossa personalidade. Não por acaso, esta reflexão me lembrou de O Máscara e da frase dita por Jim Carrey anos após o ator ter estrelado no filme.
"Ou você se livra dessa criação e aceita a chance de ser amado ou odiado por quem realmente é, ou você terá que matar quem realmente é e estar disposto a cair na sua cova agarrado a um personagem que nunca foi."
A escolha é sua.